domingo, 28 de fevereiro de 2021

Variantes


 Aroeira 

Meu país


Laerte

Elio Gaspari descobre, finalmente, que enganou-se com a Lava Jato



Elio Gaspari acordou? 
[Antes tarde do que nunca]

"Nas próximas semanas, o ministro Gilmar Mendes levará para a mesa da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro no processo da Lava Jato. São pedras cantadas a exposição da parcialidade do doutor e a promiscuidade de suas relações com o Ministério Público. O ministro deu uma pista do que vem por aí ao lembrar que irá além do que chama de “questão Lula”: será algo “muito maior”.

Põe maior nisso. Gilmar tem assessores passando o pente-fino nas mensagens trocadas em Curitiba. Desde junho de 2019, quando o site Intercept Brasil levou ao ar os primeiros grampos dos 7 terabytes capturados, eles têm aparecido de forma explosiva, porém desordenada. Colocados em ordem cronológica e contextualizados, revelam a extensão das malfeitorias blindadas pela mística da Operação Lava Jato."
(Elio Gaspari, na Folha 28/02)

Elio, bom jornalista e autor de uma obra formidável sobre a ditadura militar que maltratou o país (1964/1985), foi um dos jornalistas deslumbrados pelo juiz Sérgio Moro e pela Operação Lava Jato.
 
Só levantou a voz, timidamente, quando o juiz de Curitiba produziu a infâmia da divulgação da delação forjada do corrupto ex-ministro petista Antonio Palocci às vésperas do pleito de 2018 para alavancar a candidatura Bolsonaro. De resto era uma louvação só à turma de Curitiba.

Hoje fala em "extensão das malfeitorias blindadas pela mística da Operação Lava Jato". 

Tudo bem, Elio. Mas não é um detalhe que você foi um dos que ajudou a construir a mística da Lava Jato e a blindá-la.

Mudou? Muito bom. Mas eu, um simples físico da província, com muito menos informação do que você, tive certeza, desde a absurda condução coercitiva de Lula, que a turma de Lava Jato era formada por manipuladores e justiceiros vulgares.

Por que lhe enganaram por tanto tempo? 
Por quê?

Folha de S. Paulo defende publicação de fake news com informações que podem causar mortes em nome da "liberdade"

Mas vale qualquer coisa na publicidade? Sobre o assunto, o diretor comercial da Folha, Marcelo Benez, diz que o jornal defende a "liberdade de expressão comercial", segundo a qual todos que têm uma mensagem a ser divulgada têm o direito de fazê-lo, desde que ela não viole a lei.

"O anúncio em questão pode estar errado do ponto de vista científico, mas não quebra nenhuma lei". O jornal, afirma Benez, respeita rigorosamente a separação entre Redação e Publicidade, garantindo independência às áreas.

Mas e quando o anúncio prejudica a imagem da Redação?

Não é razoável esperar que o jornal confirme a veracidade de todo anúncio que publica —mandamento que rege a notícia. Isso porque a publicidade lida também com a fantasia.

Flavia Lima

ombudsman@grupofolha.com.br


Só a Folha tem Flávia Lima para dizer ao jornal, nas suas próprias páginas, que "liberdade de expressão comercial" para disseminar, em plena pandemia, anti-ciência que mata, não tem nada a ver com liberdade de imprensa, nem com qualquer noção de liberdade.

Conrado Hubner

    Luiz Frias

Desonestidade intelectual é atributo essencial dos liberais

Desonestidade já vem de fábrica

Elena Landau diz à Folha que a ameaça à democracia começou no governo Lula, pois havia ataques à imprensa e "você tinha os blogueiros progressistas".

Sim, blogueiro progressista, essa grande ameaça à democracia.

Pergunta honesta, vocês conseguem me apontar um único liberal que não se paute pela desonestidade intelectual? Eu nunca vi. Para sair do registro da canalhice, teriam que admitir que gostam mesmo é de ter empregada barata e gente passando fome para regular o exército industrial de reserva.

 João Ximenes Braga

Folha cria cátedra na USP de jornalismo de esgoto e de programa

Luis Felipe Miguel

A Folha criou uma cátedra na USP com o intuito de "desenvolver estudos sobre jornalismo, democracia e diversidade".

Tentativa óbvia de fazer uma faxina na imagem, no momento em que a empresa volta a se posicionar como paladina da democracia - e o passado, bem presente, de golpismo renitente a assombra.

Mas a jogada falha quando se olha para os coordenadores da cátedra.

Um deles é simplesmente dono de um currículo magro e sem noção, em que lista, entre "prêmios e títulos" recebidos, o fato de ser o "primeiro Livre-Docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) com defesa de tese por meio de videoconferência" (informação tão importante que aparece duas vezes seguidas) e que "segundo dados do Google Acadêmico (Google Scholar), desde 1999 diferentes obras minhas foram citadas cerca de 82 vezes, em diversas publicações".

"Cerca de" 82 vezes é ótimo. Se está arredondando para 82, é porque foram, na verdade, 81,7 citações?

Mas o outro é o notório Claudio Tognolli, aquele que divulgou a tomografia de dona Marisa Letícia, em 2017, e, no ano seguinte, o número do celular do desembargador Rogério Favreto, que determinara a soltura de Lula quando estava como plantonista do TRF-4.

O que ele pratica se chama intimidação e assédio. Espantoso é que a USP não tenha tomado providências para excluir de seus quadros alguém tão obviamente destituído dos requisitos morais básicos para exercer seja o jornalismo, seja a docência.

Quando ele cometeu a indignidade contra dona Marisa Letícia, eu fui ao currículo do sujeito, que era bizarro. Continua o mesmo, apenas com o acréscimo da frase "é idealizador e um dos responsáveis pela cátedra Otavio Frias Filho, a operar no Instituto de Estudos Avançados da USP , com inauguração a 18/02/2021 (sic), data em que o Grupo Folha completa 100 anos" - o que compromete a Folha ainda mais.

Quanto ao resto, reproduzo o apanhado que fiz anos atrás: "No resumo, ele cita a vendagem de seus livros (uma defesa de Romeu Tuma Junior e uma biografia de Lobão) e termina com essa pérola: 'Tognolli está listado como escritor na Livraria do Congresso dos EUA' (seguido do link). Uma vez que a Library of Congress (que não é uma livraria, é uma biblioteca, como sabe qualquer estudante de inglês básico) é uma das maiores bibliotecas do mundo e lista "como escritor" qualquer um que tenha uma obra no seu catálogo, não é muito difícil estar lá. (Eu estou lá, na companhia de Michel Temer, Benito Mussolini, Saddam Hussein, Romero Britto e milhões de outros, e jamais me passaria pela cabeça considerar que isso seria um item de currículo.)"

A epidemia armada

Janio de Freitas 

Estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado por generais tem a ver com intenções definidas

A incógnita mais expressiva, dentre as muitas atuais, é simples como formulação e inalcançável na resposta. Dado que estão explicitados os indícios de golpismo e a incompetência espetaculosa dos militares no governo, o que fará o Exército na possível transformação da pandemia em tragédia de massa, um país sufocado pela peste, carente de tudo menos de morte?

A marca de um ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.

O já célebre depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.

Ressalva a fazer-se é a ausência até de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza, pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.

Já é bem difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais também por uma comunhão não declarada nem gratuita.

A propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo. Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que custaram milhões ao dinheiro público —e aí estava o Exército a fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.

O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e muito pior.

Por trás disso houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.

Não faz sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de fim idêntico.

No seu primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em especial do Exército, que dão o apoio.

As intenções inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a necessidade do país é extrema.

Quando quatro ministros do STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.

De Ricardo Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo peso.

Alexandre de Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.

Rosa Weber deu ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele, mudado, posto de pé e cabeça erguida.

Os negociantes do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui, facilita.

Mercado permanece otimista com atoleiro sem fim da economia

Otimismo econômico resiste, apesar de Mito, lockdowns e dólar caro 

Vinicius Torres Freire 

Baderna política e chilique nas finanças dos EUA são ameaças

Amanhã vai ser outro dia, canta a maior parte dos relatórios econômicos, escritos pelos departamentos de futurologia de bancos e da finança em geral. “Amanhã” quer dizer junho. Depois de uma recaída no primeiro trimestre e uma convalescença no segundo, a vida recomeçaria a voltar ao normal, como parecia acontecer até novembro de 2020.

Mas o que temos para hoje? Variantes avacalhadas de lockdowns. O medo renovado da doença, que provoca enclausuramentos voluntários. Uma epidemia descontrolada, não se sabe bem se por causa da selvageria do Carnaval ou também porque há vírus mutantes. Há ainda chiliques no mercado financeiro americano, que já tiveram efeito por aqui —podem ser mero paniquito, mas sacudida semelhante ajudou a baquear a economia brasileira em 2013, o ano em que tudo começou a acabar.

Nada disso ainda está considerado nas contas dos economistas animados. Na hipótese otimista, o país volta a andar em meados do ano desde que: 1) os grupos de risco estejam vacinados até maio ou junho, como previsto no cronograma oficial; 2) Jair Bolsonaro e o Congresso não estourem as contas do governo. Isto é, que limitem o auxílio a quatro meses e que aprovem medidas que pelo menos evitem o estouro do teto de gastos nos próximos três ou quatro anos.

“Otimismo” quer dizer crescimento de uns 3,5% neste ano. Isto é, atividade econômica parada no mesmo nível de novembro do ano passado, por aí, mas na média superior a 2020. Sem mudança maior, para os próximos anos, não há perspectiva de o Brasil andar em ritmo melhor do que 2018 ou 2019, um Temer atolado em Bolsonaro.

Para falar da vida miúda, quando o novo auxílio chegar, em março ou abril, valerá bem menos do que em abril de 2020, em termos de comida, com perda de poder de compra de uns 15%. O número de pessoas ocupadas no país é ora 8 milhões menor que em fevereiro de 2020. Chutes informados otimistas dizem que neste 2021 o número de empregados aumentaria em 3 milhões. O buraco ainda seria enorme. Pode haver gritos de auxílio até o fim do ano, pois.

Em quase todos os estados há decretos de lockdowns. As restrições de movimento e comércio não são rígidas o bastante para merecer tal nome. Além do mais, a maior parte das atividades econômicas aprendeu a lidar com as restrições (que, no entanto, afetam muito restaurantes, atendimentos pessoais e entretenimento). Mas haverá estrago.

Na conta do prejuízo é preciso incluir as bolsonarices. Ao “meter o dedo” na Petrobras e no Banco do Brasil e causar alerta de outros danos, Bolsonaro aumentou o descrédito de empresas e do governo.

Concretamente, encareceu o custo de financiamento de dívidas e investimentos, que ficou maior também por causa do sururu financeiro americano destes dias (alta de juros no mercado, basicamente, o que afetou “emergentes” em geral, Brasil em particular). O dólar tende a continuar caro até o fim do ano, ruim para inflação e juros.

Fevereiro foi um mês desperdiçado por causa do chilique estatizante, dos decretos armamentistas e do vomitório golpista do deputado “Daniel de Quê?”, um ferrabrás bolsonariano, que levou a Câmara a se ocupar de fugir da polícia, com a PEC da Imunidade.

Bolsonaro volta a fazer propaganda maciça contra a prudência sanitária. Seu governo não consegue comprar vacinas além daquelas do Butantan e da Fiocruz. Algum financista engraçadinho precisa criar um “Mitômetro” a fim de medir quanto de PIB ou de emprego vai para o vinagre a cada vez que Bolsonaro joga sujeira no ventilador.

Brasil não produz anticorpos contra vírus Bolsonaro e Pazuello

Proliferam mortes da Covid, mas país se prostra perante exibicionistas, corruptos e sociopatas
Após 367 dias da epidemia de Covid, o Brasil beira 255 mil casos confirmados de mortes pelo Sars-CoV-2, fora a subnotificação. Na quinta-feira (25) o país bateu recorde de sete meses atrás e registrou 1.582 vítimas —as diagnosticadas, repita-se.

A média móvel alcançou 1.150 óbitos por dia. Chegamos ao pior estágio da pandemia, e duas calamidades se prenunciam: a situação ainda vai se agravar muito; continuamos privilegiando as falsas batalhas e no caminho certo de perder a guerra.

Há quem deplore a metáfora bélica, talvez porque o governo esteja infestado de militares e vários deles passem hoje por exemplos de incompetência, pusilanimidade e depravação. O capitão tornado presidente é aquele deputado que elogiava impunemente tortura, fuzilamento e estupro —deu no que deu.
Faz muita falta aquele senso de empatia e comunidade que empurra cidadãos no mesmo rumo, como num conflito. Na refrega atual, o único objetivo digno é salvar as vidas passíveis de salvação. Ao abandonar máscaras e distanciamento, contar com vacinas não compradas e eleger alvos errados, multiplicamos as mortes evitáveis.

Como se não houvesse um morticínio em curso, perdemos dias preciosos mesmerizados com um programa de TV em que exibicionismo e voyeurismo se mesclam na vivência de paixões vicárias. Um deputado federal desqualificado antes mesmo de eleger-se sequestrou a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso.

A nova legislatura, que escolheu na Câmara um presidente acusado de violência doméstica, mobiliza-se contra o STF para consagrar na Constituição o direito parlamentar à impunidade. Isso quando deveria atropelar de novo o Planalto e votar o prolongamento do auxílio emergencial para amparar os brasileiros que sofrem o pior da pandemia.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), que nada ostenta de justo ou superior, rebaixa-se ao contrariar decisões anteriores para, na prática, inocentar o senador filho do presidente da República dado a rachadinhas. No comando da manobra, o magistrado que só tem olhos para a sinecura de uma vaga no STF, enquanto milhares se asfixiam pelo país.

Na terça-feira (23), um grupo autodenominado Médicos pela Vida fez publicar nesta Folha e noutros jornais um anúncio defendendo o tal “tratamento precoce” para Covid, com recurso ao pacote charlatão de cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D. (Médicos não são cientistas, já se disse; pior ainda quando são bolsonaristas que rezam pelo conhecido credo para exorcizar a ciência.)

Foi quanto bastou para um sem-número de progressistas, pessoas razoáveis e equilibradas (entre as quais amigos e fontes), atacarem esses diários com virulência. Entende-se que alguns acreditem ser obrigação moral dos jornais recusarem anúncio negacionista, mas há também quem sustente ser essa uma decisão comercial defensável.

Errado está o alvo. Escandaloso é ver médicos defendendo o indefensável. O Conselho Federal de Medicina (CFM), dominado por acólitos de Jair Bolsonaro, se omite e comete prevaricação similar à do Congresso ao fazer vista grossa para delitos recorrentes dos políticos da família, no passado e no presente.

Governadores e prefeitos também se acovardam na epidemia. Mas eles ao menos podem dar a desculpa de ter dois vírus genocidas para combater ao mesmo tempo, um nos hospitais, outro em palácio.

O pior ainda está por vir, pelas mãos sujas do capitão Jair Bolsonaro e do general Eduardo Pazuello. Escolhamos melhor contra quem nos insurgir nesta hora.

Transmissão da Covid deve persistir em várias regiões do mundo por anos

A dificuldade de erradicação não significa que as mortes e o isolamento continuarão na escala atual
O futuro a Deus pertence, dizia minha avó. Em relação ao futuro do atual coronavírus, no entanto, os modelos matemáticos permitem fazer algumas previsões.

A revista Nature, uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, perguntou para 100 pesquisadores nas áreas de epidemiologia, infectologia, virologia e imunologia se o coronavírus que se dissemina pelos quatro cantos será erradicado.

Responderam que o vírus continuará a circular em bolsões espalhados pelo mundo 89% dos cientistas entrevistados. Segundo eles, o Sars-CoV-2 se tornará endêmico, isto é, sua transmissão persistirá por anos ou décadas em várias regiões do globo.

Quando a pergunta foi se ele será eliminado pelo menos em alguns países, apenas 40 % julgaram que isso seja provável.

A dificuldade de erradicação, entretanto, não significa que o número de mortes e a necessidade de isolamento continuarão na escala atual. O futuro dependerá de dois fatores cruciais. Um é a duração da imunidade adquirida por infecção natural e pela vacinação. Outro são as características das variantes que emergirão.

Os quatro coronavírus anteriores, causadores de resfriados comuns, e o vírus da gripe (influenza) também são endêmicos, mas convivem com a humanidade sem lockdowns e medidas restritivas ao convívio, embora a gripe cause no mundo pelo menos 650 mil mortes anuais.

Certamente, haverá países que chegarão à imunidade coletiva por meio da vacinação da quase totalidade de seus habitantes.

Ainda assim, sobrarão pessoas suscetíveis que correrão risco de adoecer, pela reintrodução do vírus trazido por viajantes oriundos de áreas em que a aderência às medidas de prevenção e os índices
de vacinação sejam baixos.

É provável que em países como o nosso, daqui a dois ou três anos, passe a existir algum grau de imunidade induzida pela doença ou pelas vacinas, capaz de nos proteger contra casos como os que
agora superlotam as UTIs.

Quando esses níveis de proteção forem alcançados, o primeiro encontro com o Sars-CoV-2 se dará na infância, fase em que os sintomas da Covid são brandos, semelhantes aos dos resfriados comuns.

Essa possibilidade faz sentido. Quatro dos outros coronavírus causam resfriados em seres humanos há centenas de anos; dois dos quais respondem por 15% das infecções respiratórias. A maioria das crianças infectadas por eles antes dos seis anos de idade desenvolve imunidade temporária, que não evita novos resfriados, mas assegura proteção contra quadros mais graves na vida adulta.

Não é possível prever se a imunidade contra o Sars-CoV-2 seguirá os mesmos passos. Os estudos mostram que os níveis de anticorpos neutralizantes produzidos contra ele começam a cair depois de seis a oito meses da doença, mas permanecem células de memória capazes de respostas imunológicas mais rápidas se houver nova infecção. Apesar de ocorrerem reinfecções pela mesma ou por variantes novas, esses casos são relativamente raros.

Ao contrário da situação atual de pandemia, mantida pelo grande número de indivíduos suscetíveis, a fase de endemia será atingida quando o número de novas infecções se mantiver relativamente estável no decorrer de anos, embora possam acontecer surtos esporádicos.

A gripe espanhola de 1918 levou 50 milhões à morte. Desde então, praticamente todas as epidemias de influenza A que se disseminaram pelo mundo foram causadas por variantes descendentes daquela de 1918. Um vírus se torna sazonal, isto é, passa a atacar em determinadas épocas do ano, quando a maior parte da população está imune a ele —por contato prévio ou vacinação.

É difícil prever quando um país como o Brasil, sem disponibilidade de vacinas em número suficiente e com tanta dificuldade em conseguir que a população use máscara e evite aglomerações, atingirá a sonhada imunidade coletiva. Quanto tempo levaremos? Um ano ou dois? Os piores dias ainda estão por vir?

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Psicopatife

 



Representante dos EUA ameaça Brasil em nome da preservação da Amazônia

Cartum de 1905 mostra o presidente Ted Roosevelt usando sua “Nova Diplomacia”



“Sem Amazônia intacta, Acordo de Paris é impossível”

Em reunião da Concertação pela Amazônia, negociador americano diz que EUA terão regras para impedir a entrada de produtos ligados a desmatamento

Por Daniela Chiaretti — De São Paulo

A mensagem do chefe dos negociadores americanos no Acordo de Paris foi clara: “Não é possível, é virtualmente impossível, alcançar as metas do Acordo de Paris, que nós, Estados Unidos, Brasil e todas as nações do mundo endossamos, sem manter a Amazônia intacta. É um fato da vida”, disse Todd Stern. “É verdade que o presidente Biden, em sua abordagem internacional e doméstica, ofereceu uma mão de amizade para abordar estes temas (a preservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia) de maneira positiva”, seguiu, falando a uma plateia de empresários, ambientalistas, indígenas, cientistas e políticos. “Mas os EUA, no fim das contas, irão fazer o que for necessário para proteger os interesses legítimos do povo americano.”

O advogado que chefiou os negociadores americanos de 2009 a 2016 foi convidado a abrir a plenária da Concertação pela Amazônia, rede de lideranças de vários setores da sociedade brasileira preocupados em preservar e desenvolver a região. Falou sobre os planos domésticos e internacionais climáticos do presidente democrata. Anunciou que “um grande plano verde de investimentos virá logo, seguindo o slogan do presidente Biden de ‘construir de novo melhor’ diante das dificuldades econômicas em função da covid”.

Stern lembrou que Biden, durante a campanha, prometeu mobilizar US$ 20 bilhões de fontes públicas e privadas para parar o desmatamento, buscando incentivos e estabelecer parcerias. “Prometeu ampla gama de acordos comerciais e esforços diplomáticos”, seguiu. Descreveu os quatro pilares do Plano para a Amazônia que um grupo de ex-ministros e ex-negociadores climáticos, ele incluído, entregou em janeiro ao presidente Biden e ao Congresso: financiamento, comércio, cadeias de fornecimento e diplomacia.

Para mobilizar os US$ 20 bilhões, os EUA buscarão contribuições de outras grandes economias na Europa e no Japão. “A razão para isso é bem clara: a necessidade de tornar a conservação viável para os países e as pessoas da região amazônica que precisam crescer, desenvolver e ter chance de prosperar como todo mundo. Temos que tornar a conservação viável.”

O segundo ponto é garantir salvaguardas contra o desmatamento nos acordos comerciais. “Isso não acontece agora. Não há barreiras nos EUA para cultivos que crescem ilegalmente em áreas desmatadas na Amazônia”. Seguiu dizendo que os EUA têm que limpar as cadeias de fornecimento de commodities como soja e carne. Empresas americanas terão que fazer procedimentos de “due diligence”, para garantir cadeias de fornecimento livres de desmate. Por fim, os EUA usarão toda a força da diplomacia para conseguir atingir a meta - parar o desmatamento.

“Deixem-me dizer algumas palavras sobre, talvez, o elefante na sala, o governo Bolsonaro”, disse Stern. “Entendemos onde Bolsonaro esteve na questão climática, porque ele se alinhou a seu ex-melhor amigo, Donald Trump, em falas em que a mudança do clima seria uma farsa. E que até hoje não tem se interessado em ofertas de apoio à Amazônia”.

Stern, que se declarou otimista em relação ao que pode ser feito para proteger a Amazônia, deu outros recados claros: “Em primeiro lugar, há muitas nações na região, incluindo Colômbia e Peru, que querem proteger a Amazônia e vão precisar de ajuda internacional. Em segundo lugar, como vocês sabem, há muitos campeões na Amazônia: Estados amazônicos, povos indígenas, comunidades locais, líderes da sociedade civil. E empresas brasileiras que querem ter certeza que manterão seu acesso aos mercados internacionais”.

No terceiro ponto para explicar seu otimismo, Stern disse que “governos do Brasil quase sempre buscaram boa relação com os EUA, e vice-versa. Porque somos grandes atores no hemisfério ocidental. Não acho que essa lei tenha sido reescrita pelo atual governo do Brasil. Eu esperaria que exista interesse do lado deles em ter uma relação produtiva com os EUA, assim como nós temos grande interesse em ter uma relação produtiva com o Brasil.” Seguiu: “Há muitas oportunidades para respeitar completamente a soberania nacional e os interesses do Brasil na Amazônia”.

Stern foi o arquiteto, do lado americano, do acordo histórico celebrado entre os presidentes Barack Obama e Xi Jinping que deu impulso para que o Acordo de Paris acontecesse. Foi depois que os dois maiores emissores mundiais haviam se comprometido com metas climáticas que outros os seguiram.

“A Ciência está dizendo claramente que precisamos parar o desmatamento globalmente nesta década. O desenvolvimento descontrolado e o desmatamento ilegal na Amazônia não podem ameaçar a segurança e o bem-estar das pessoas no Brasil e no mundo”, seguiu

Foi ouvido atentamente por 155 pessoas, o maior público desde a criação da Concertação em 2020. Na plateia estavam os empresários Guilherme Leal e Pedro Passos (fundadores da Natura), José Roberto Marinho (Fundação Roberto Marinho), Denis Minev (Bemol), o apresentador da TV Globo Luciano Huck, o economista Arminio Fraga, executivos como Pedro Wongtschowski (Grupo Ultra), Marina Grossi (Cbdes) e Marcello Brito (Abag), ambientalistas e pesquisadores como Ana Toni (iCS), Adriana Ramos (ISA), Tasso Azevedo (MapBiomas) e o arqueólogo Eduardo Neves, indígenas como a deputada federal Joenia Wapichana e políticos como o ex-senador Jorge Viana (PT-Acre) e o governador Flávio Dino (MA-PCdoB).

A infâmia

Ascânio Saleme

O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário

A tragédia foi anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente. Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara para se proteger e proteger os demais.

O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.


O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.

Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.

No Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio continuam abertas?

A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.

A infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do capitão para solapar os brasileiros.


Se está sobrando...

De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 6.157 militares das três Forças Armadas servem em postos civis no governo Bolsonaro. Destes, 3.029 são da ativa, segundo o Ministério da Defesa. Com o contingente desviado de função, dá para montar uns cinco ou seis batalhões de infantaria do Exército. Se esse volume de gente não faz falta às Forças Armadas, não seria o caso de reduzir o tamanho do aparato todo e economizar recursos? Olha uma oportunidade aí, Bittar.


Pária amada



O corpo como o derradeiro lugar da escrita


Li: 'Descoberta frase que Anitta tatuou no ânus.' Ri, convencido de que o meu espírito perverso estava me iludindo, e fui à procura dos óculos
Há três dias, viajando entre a Ilha de Moçambique e Nampula, sob uma violenta tempestade, vi de relance uma mulher transportando uma árvore às costas. A imagem passou, num relâmpago, como se tivesse saltado de um sonho. Quando me voltei para confirmar, não distingui senão uma densa cortina de água caindo sobre o asfalto quente.

Nas horas seguintes, a imagem daquela mulher continuou a crescer dentro de mim. Vi-a carregando um vaso de barro, com uma mangueira pequena, porém frondosa, cheia de mangas maduras. A mulher caminhava pisando a sombra da mangueira. Fechando os olhos apaguei a chuva, e fui reconstruindo a paisagem. Vi primeiro uma outra estrada, não de asfalto, mas de terra batida, uma ferida vermelha abrindo-se por entre o fulgor cruel das espinheiras. Logo a seguir enxerguei os guerrilheiros esfarrapados, segurando com esforço o desalento das armas. E então, lá estava ela, uma figura frágil e firme, erguendo contra os soldados os largos olhos febris. Quando cheguei a Nampula já tinha um conto pronto.

José Saramago afirmava que a ideia para a escrita d’“O Evangelho Segundo Jesus Cristo” surgiu a partir do título, e que este lhe ocorreu quando, ao atravessar uma rua, em Sevilha, leu a frase na confusão de manchetes de uma banca de jornais. Curioso, aproximou-se da banca, mas não encontrou a frase. Saramago convenceu-se de que se tratara de uma ilusão de ótica. Fato é que o romance se foi organizando, ao longo dos meses seguintes, em redor daquela ilusão milagrosa.

Lamento ter deixado de escrever à mão — naquela época, ao reler os meus rápidos gatafunhos, era comum que uma frase me sugerisse outra melhor. Ou seja: eu lia errado, mas o erro acabava sendo muito mais interessante do que o acerto. Depois que comecei a sofrer de vista cansada, voltei a me beneficiar do erro, agora não só quando tento ler textos meus no computador, mas inclusive quando leio livros ou jornais. Surgem-me com frequência manchetes extraordinárias. O mundo, sempre que tento ler sem óculos, ganha contornos inusitados. Penso muito em José Saramago.

Por vezes tenho surpresas. Ontem mesmo li: “Descoberta frase que Anitta tatuou no ânus.” Ri, convencido de que o meu espírito perverso estava me iludindo, e fui à procura dos óculos. Passei meia hora abrindo e fechando gavetas até que ao passar diante de um espelho percebi que tinha os óculos no rosto. Voltei às páginas do jornal. Sim, lá estava: “Descoberta frase que Anitta tatuou no ânus.” Não sabia que era possível tatuar o ânus. Nunca imaginei que alguém o quisesse fazer. Nunca imaginei ler um dia uma manchete como aquela.

Fiquei um tempo pensando naqueles leitores tão exclusivos. Fiquei pensando se gostaria de ter uma frase minha tatuada no ânus de alguém. Fiquei pensando no corpo como o derradeiro lugar da escrita. Fiquei pensando se não deveria quebrar os meus óculos. Acho que prefiro viver na minha realidade inventada — tantas vezes estranha, tantas vezes incompreensível e misteriosa —, do que enfrentar aquela em que estamos mergulhados.

“Verás prodígios!”, assegurou-me a minha avó pouco antes de morrer. Provavelmente não se referia a isto.

Enquanto o golpe não vem


Vacinas, valores e velórios

Sérgio Augusto

Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, mas atingimos a marca de 250 mil

Já estava me preparando para ser vacinado quando as vacinas acabaram. Foi aí que descobrimos que, na estupefaciente gestão do general Placebo no Ministério da Saúde, a vacinação é regida por dois calendários, como o tempo já foi em priscas eras. Pelo calendário juliano, quando há vacinas disponíveis, e pelo calendário gregoriano, quando elas acabam e ainda não têm data para chegar. Daí a máxima romana “sine vaccinus, sine die”, cunhada antes da invenção da primeira vacina.

E assim as vacinações no Rio foram jogadas para as calendas. Ainda bem que para as calendas romanas, não para as gregas. Será que nas calendas de março saberemos quando, pelo calendário gregoriano, levaremos nossa redentora picada?

Pior do que essa espera, possivelmente passageira, e as justificadas incertezas relativas à segunda dose foi tomar conhecimento das descaradas mentiras sobre a performance de Bolsonaro durante a pandemia que a ministra Damares e o chanceler Ernesto Araújo tentaram vender na ONU. Ficaram só na tentativa porque ninguém lá fora acredita mais em nada que diga, faça ou prometa fazer de bom o ogro que nos governa, exaspera, envergonha, e concentrou no extermínio seu mais eficaz programa de corte de gastos na Previdência.

Não menos desalentadora foi a constatação de que a Bolsa de Valores se sensibiliza muito mais com uma troca no comando da Petrobrás pelo presidente da República que seus investidores ajudaram a eleger do que com as ininterruptas e recordistas altas na contagem de mortos e infectados pela covid, no País. Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, basofiou o capitão negacionista em abril do ano passado. Atingimos a marca de 250 mil mortos esta semana; 50 mil só nos últimos 48 dias – e vacinamos apenas 3% da população.

Se alguma coisa o presidente sabe fazer, e bem, é mentir e tirar o dele da reta. “Não sou coveiro”; “Não sou profeta”; “Não compro seringas”. Pilatos ao menos lavava as mãos. O capitão nem sequer usa máscara.

A fulminante queima de ações da BR também veio corroborar a teoria de que a matança em curso, se não faz parte de um maquiavélico projeto político e econômico do bolsonarismo, como a aniquilação da cultura e da educação, desmoralizou em definitivo o chavão de que “as nossas instituições estão funcionando”. Se estivessem, ou pelo menos o STF estivesse, a pleno vapor, o nosso Napoleão de hospício já estaria na ilha de Elba da nossa imaginação.

Verdade que o ministro Alexandre de Moraes se tem comportado com o destemor que seu cargo exige, mas Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes, conforme salientou na terça-feira o comentarista político Bernardo de Mello e Franco, facilitaram o serviço para a chicana que culminou com a anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro, no inquérito das rachadinhas. Toffoli e Fux travaram a investigação por cinco meses, e Mendes abriu a gaiola para Fabrício Queiroz, o factótum da familícia.

Comprado o Legislativo, cooptadas e neutralizadas as Forças Armadas mediante cargos, subsídios, promessas, leite condensado e claque em formaturas de cadetes, pergunto: quais instituições ainda funcionam normalmente nestas bandas?

Por encarnar e afiançar a “ultima ratio” de qualquer país que as possua, as Forças Armadas (sim, mais de dez nações sobrevivem sem o seu concurso) deveriam preservar-se de aventuras como foram os golpes de que participaram desde a Proclamação da República. O que pretendia impedir a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, foi só uma (ou a) exceção à regra justamente porque um oficial do Exército, o marechal Henrique Teixeira Lott, e sua excalibur da legalidade melaram a tempo a conjura udenista.

Quando vejo, leio ou ouço alguém lamentar a escassez ou mesmo ausência, hoje, de políticos e outros figurões civis de alto nível, sempre me vem à lembrança a figura do marechal. Com ele, nenhum golpista tirava farofa. Que reação lhe provocaria um confesso autogolpista como Bolsonaro? Que atitude teria face à fascistoide ameaça do general Villas-Boas ao STF, em abril de 2018?

O ator, humorista e cronista Gregório Duvivier desenvolveu uma tese que, em outras cabeças, inclusive na minha, já andou caraminholando. Ao contrário do que se pensa, o presidente não protege e prestigia além da conta os seus ex-colegas de farda, notadamente os da arma em que fez carreira, o Exército, mas, na verdade, os rebaixa e desmoraliza. Ao lhes dar emprego e funções que exigem especial capacitação, expõe-lhes a incompetência e engorda as desconfianças de que suas nomeações são menos frutos de uma ineludível promiscuidade corporativista do que das limitações sociais impostas pela vida em caserna. Azar nosso se o capitão só se dá com milicos.

Para Duvivier, Bolsonaro está se vingando do coronel que o humilhou, reprovando-o por sua “falta de lógica, racionalidade e equilíbrio”, de outro oficial que condenou sua “excessiva ambição em realizar-se financeiramente” e, acrescento eu, do general Ernesto Geisel, que o considerava “um mau militar”.

Não sei se concordo com a hipótese de que nem décadas de propaganda antimilitar da esquerda causaram mais estrago na imagem do Exército do que a sanha empregatícia do presidente, mas é possível que sim. Já a suspeita de que só agora, com meio século de atraso, o capitão cumpre uma missão que lhe teria sido delegada pelo capitão Carlos Lamarca, não é, como toda blague, para ser levada a sério. É para rir.

Ria, enquanto o golpe não vem.

O clube dos cafajestes



Nosso representantes são como um 'clube dos cafajestes' 
É como se chamava um grupo de ricaços boêmios do Rio nos anos 50 
Um ano depois do primeiro caso de Covid no Brasil, vivemos o momento mais grave da pandemia. Um ano inteiro de sacrifícios, dor e morte não serviram para nada. Caso único no mundo. Estaca zero. Andamos em círculos. Falta vacina. Falta leito. Falta ar. E vai piorar.

Mas nada disso tira o sono do dinheiro grosso no Brasil, que só chiou com a intervenção militar na Petrobras. Para compensar a corda esticada, Bolsonaro oferece a Eletrobras e os Correios na bacia das almas.

No campeonato de canalhice da República, é difícil superar Paulo Guedes e a pressão pela aprovação da PEC emergencial, tentativa de assalto aos direitos sociais inscritos na Constituição.

A lógica da negociação é perversa: o governo só voltaria a pagar o auxílio emergencial em troca do fim dos gastos públicos obrigatórios com saúde e educação. A chantagem faz todo sentido para essa gente oculta sob a alcunha de "mercado": onde já se viu pobre receber auxílio e ainda ter saúde e educação gratuitas?

O investimento obrigatório em educação só foi eliminado no auge de duas ditaduras, a do Estado Novo e no regime militar de 1964. Os gastos foram sacramentados na Constituição de 1988 e, ao que parece, serão mantidos em virtude das reações à PEC. Mas os cães hidrófobos a serviço do extremismo liberal não irão descansar.

A Câmara deu mais uma contribuição ao festival de tapas na cara da sociedade ao articular a tal PEC da impunidade, digo, da imunidade de suas excelências. Confundem exercício do mandato e liberdade de expressão com licença para cometer crimes. O Judiciário não poderia ficar de fora desse "e daí ?" geral, com o benevolente acolhimento dispensado ao senador e primeiro-filho.

Nos anos 1950, um grupo de ricaços boêmios do Rio de Janeiro ficou conhecido como o "Clube dos Cafajestes". A crônica carioca de então registra que eles aprontavam em festas de arromba com muita bebida e mulheres. Cafajestes??? Que injustiça com os playboys de outrora.

O 1% que nem está aí para pandemias


É revoltante ver 'formadores de opinião' posando em ilhas paradisíacas, hotéis de luxo, fazendas aconchegantes, 'a salvo do vírus' 
Preso em um confinamento compulsório, tenho sido quase que obrigado a viajar diariamente pelas internets da vida.

Isto tem me ajudado a compreender por que milhares de seres humanos têm sido sacrificados sem dó nem piedade.

Cálculos de autoridades americanas e internacionais relativamente sérias estimam em milhares as vidas que poderiam ter sido poupadas caso medidas de prevenção estivessem sido adotadas.

Aqui no Brasil, a mesma coisa –ou pior.

O negacionismo transformado em política pública pelo governo Bolsonaro enterrou milhares de brasileiros que não precisavam morrer de forma precoce.

Além dos escândalos de cloroquina, declarações e aparições genocidas, o capitão expulso do Exército deixou apodrecer milhares de testes que poderiam evitar a agonia de tantos outros.

Mas não quero me ater a isso.

Para mim, quase tão revoltante quanto isto é ver "formadores de opinião" posando em ilhas paradisíacas, hotéis de luxo, fazendas aconchegantes.

Geralmente é gente de dinheiro farto conquistado à custa de fãs capturados com a ajuda de mídia e TVs (e sabe-se lá de mais o quê), truques em rede sociais e relacionamentos selecionados.

As descrições são assustadoras. Um passeio pelos instagrams da vida nos brinda com coisas como: "A salvo do vírus"; "aqui estou fora de perigo"; "obrigado pelo carinho"; "vamos sair desta".

Cínicos. Fingem não saber que enriqueceram à custa daqueles que são obrigados a viver em cômodos lotados e a morrer dentro de casa por falta de leitos.

Eu me pergunto: quanto tais milionários doaram do dinheiro que ganham do povo para amenizar a pandemia de suas "galinhas de ovos de ouro"?

Lemann, o brasileiro rico que mora na Suíça (!), chegou a dizer que as crises criam oportunidades. Portanto, dá-lhes pandemia. Justiça seja feita, ele doou algum para fornecer álcool gel. Menos mal.

O mais patético, porém, são os "artistas", "celebrities" e "influencers" exibindo-se em mansões de luxo, piscinas, resorts e refúgios onde ficar a salvo. Cercados de funcionárias e funcionários que arriscam a própria vida.

Pergunto: com quantos centavos esta gente contribuiu para ajudar o povo de Manaus, por exemplo, a não morrer de falta de ar? Por que não declaram o que fazem para ajudar a combater a pandemia que assola o Brasil e não apenas a eles mesmos?

Apenas uma diária de um hotel chique onde eles se resfestelam teria salvo dezenas de pessoas. E não faria nenhuma falta a eles.

Não, não tenho nenhum preconceito contra quem ganha dinheiro com seu próprio trabalho. Não sou a favor da socialização da miséria, mas sim da distribuição mais justa da renda.

Tampouco deixo de admitir que o principal responsável pela tragédia que vive o Brasil chama-se Jair Bolsonaro.

Mas um pouco de decoro pega bem.

Há algum tempo isso se chamava sociedade civil.

Hoje chama-se de cumplicidade. Numa ilha, mansão ou boa piscina de dezenas de mil dólares diários.

Inércia de Bolsonaro obriga 10,5 milhões a pagar Imposto de Renda

 

Uma das promessas de campanha eleitoral do mandatário era a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, caso isso fosse feito essa parcela da população estaria isenta do imposto

Jornal GGN – A falta de comprometimento de Jair Bolsonaro (Milícia-RJ) com uma de suas promessas de campanha deve afetar o bolso de 10,5 milhões de brasileiros neste 2021. Segundo o mandatário sua intenção era corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, caso isso fosse feito essa parcela da população estaria isenta do imposto.

A omissão da tabela representa um novo aumento dos impostos e, a cada ano, mais brasileiros são obrigados a pagar IR. Além disso, quem já presta contas ao leão paga cada vez mais. 

Segundo informações do Uol, caso houvesse a correção da tabela, o cálculo é que 10,5 milhões de brasileiros estariam isentos do imposto.

Hoje, a isenção do imposto só vale para quem ganha até R$ 1.903,98 por mês (menos de dois salários mínimos). Mas, se a tabela fosse corrigida ao menos pela inflação, a isenção deveria valer para todos que ganham até R$ 4.022,89.

Triste Brasil, que tem um verdugo nefasto como chefe de Estado



Bolsonaro é, inegavelmente, um homicida em potencial. Um cretino que não se cansa de pisotear os cadáveres e seus enlutados. Um ser desprezível, incapaz de dizer uma única palavra de consolo no dia em que completamos um ano de coronavírus no Brasil.

Ninguém, em todo o País, é mais insensível, mais irresponsável e mais danoso que o devoto da cloroquina. Sob novos 60 mil casos e 1.5 mil mortos por Covid, o presidente esculhamba a nação, novamente critica o uso de máscaras e volta a promover aglomeração.

O pai do senador da rachadinha, hoje aliado do Centrão e do corrupto e lavador de dinheiro, empresário Fábio Carvalho, pelo fim da Lava Jato, demonização do quadrilheiro financiado pela CIA Sergio Moro e impunidade eterna, outra vez ajudou a disseminar seus dois vírus prediletos: o corona e a estupidez.

Com 12 estados e o Distrito Federal à beira do colapso no atendimento aos doentes, o amigo do Queiroz simplesmente atacou as medidas de isolamento social tomadas por prefeitos em desespero, ao mesmo tempo em que expeliu seus perdigotos na multidão.

O marido da receptora de cheques de milicianos não se importa com a morte de ninguém; ao contrário, trabalha diuturnamente para que o número de vítimas por Covid aumente, já que é useiro e vezeiro em contribuir para a facilitação da disseminação do vírus.

Outro dia, um jornalista desejou a morte do maníaco do tratamento precoce e o mundo caiu sobre sua cabeça. Pois bem. O psicopata do Planalto pode até não expressar seu desejo de morte aos brasileiros, mas, bem pior que isso, ajuda, na prática, que aconteça.

Repito: Bolsonaro é potencialmente mortal. Há um ano contribui sem descanso para que mais brasileiros morram por Covid-19. Até hoje, nem o Legislativo nem o Judiciário se importaram com isso. Cerca de 30% dos brasileiros, também não. Até quando?

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Pergunta irrespondível


André Dahmer

The Immigrant Song - One Girl Band

O canalha

Existem canalhas no mundo. Nós, e tanto iguais a nós, com mais de seis décadas de vida sabemos muito bem disso. Fomos, por mais que buscássemos estar cercados de virtuosos e generosos, obrigados muitas vezes a conviver com eles: degenerados, estúpidos, canalhas em síntese.

Mas existe Bolsonaro. 

Um canalha singular, ímpar na canalhice.

O país atravessando uma pandemia cruel, brutal, que ceifa, no momento, mais de 1.500 pessoas por dia, que já levou a óbito mais de 251 mil brasileiros, e ele, com as prerrogativas e benesses do cargo incentiva o NÃO uso da máscara e promove aglomerações com centenas de pessoas em eventos públicos que poderiam e deveriam ser adiados.

Os sistemas hospitalares no Amazonas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (estes três últimos estados não por coincidência onde o presidente possui mais seguidores) em colapso. E na mesma direção vai a Bahia e São Paulo. Fora centenas de municípios já sem vagas para atendimentos em UTIs.

A canalhice do presidente da República do Brasil desafia qualquer parâmetro. Espero que venha a ser, no futuro breve, um caso a ser julgado por uma Corte Internacional de Direitos Humanos.

Claudio Guedes

Luis Nassif entrevista Lula

Não tem jeitinho numa guerra. Estamos diante de um desastre épico, incalculável, bíblico

'Há grande chance de um colapso nacional. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia', diz Miguel Nicolelis
Efeitos ‘sincronizadores’, como o carnaval, fizeram com que a alta de contágio abalasse todas as regiões, num efeito dominó, diz especialista

RIO — Desde dezembro, o médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade de Duke (EUA) Miguel Nicolelis vê o colapso se aproximar no horizonte da pandemia. Alertou autoridades e orientou as medidas a serem tomadas, em especial um necessário lockdown. Na semana passada, deixou a coordenação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19.

O agravamento da pandemia da Covid-19 vem levando os sistemas hospitalares de diversos estados ao colapso, de Norte a Sul do país.

No dia em que o país registrou o pior número de mortos em 24 horas de toda a pandemia (foram 1.582 óbitos registrados em apenas um dia, com recorde também na média móvel de mortes, que ficou em 1.150), Nicolelis conversou com O GLOBO e defendeu a necessidade de um lockdown nacional por 21 dias.

Só isso, diz, pode evitar o colapso simultâneo da saúde (e depois funerário) em praticamente todo o país: “A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia”.

O senhor deixou o Comitê Científico do Nordeste. A principal razão apontada pela imprensa foi a relutância dos governos em adotar o lockdown. É isso?

Saí porque fiz o que tinha que fazer, criei estrutura, implementei procedimentos, elaboramos todas as recomendações possíveis da ciência, e agora está tudo lá na mesa dos gestores. Avisamos em 18 de dezembro que a situação ia ficar crítica. Tudo o que foi pedido foi realizado, e o resultado foi melhor do que eu esperava, mas a gente quando é cientista sabe que chega a hora que fez o que podia fazer. Minha missão foi cumprida, deixei minha vida de lado para achar as melhores formas de combater a pandemia no Brasil.

O senhor disse que São Paulo é a próxima peça no dominó a cair. Como avalia as situações dos estados brasileiros?

Santa Catarina anunciou que colapsou, o Rio Grande do Sul está dramático, o triângulo mineiro colapsou. Belo Horizonte teve dois lockdowns que provocaram queda importante nas internações e mortes, mas o sul do estado, não. Sabe aquele jogo de dominó em quem uma peça cai depois da outra? Foi a metáfora que usei.

Existem preocupações na região Norte, Rondônia já foi, Mato Grosso, o próprio Distrito Federal, São Paulo tem menos de três semanas de reservas de leitos de UTI — o que, para a cidade que é a capital de medicina brasileira, é assustador. Ultrapassamos o recorde de internações. No Estado do Rio, a letalidade é recorde no Brasil. O Nordeste ficou com o menor índice de óbitos por 100 mil nos primeiros 11 meses, mesmo assim o crescimento ainda é o menor, numa região com menos médicos do que a média nacional, menos infraestrutura. Esperava-se que o colapso ficasse restrito à região Norte. É surpreendente que o Sudeste tenha se saído tão mal.

Ou seja, o colapso está ocorrendo de Norte a Sul. Como chegamos a essa situação?

Diferentemente da primeira onda, quando foi cada estado num tempo, surgiram efeitos sincronizadores como eleição, festas de fim de ano, carnaval. Agora, tudo está explodindo ao mesmo tempo. Isso significa que não não tem medicação, não tem como intubar, não vai dar para transferir de uma cidade para outra, não vai ter como transferir para lugar nenhum. A consequência do colapso de saúde é o colapso funerário. Cientistas não olham só o presente, mas olham o futuro, enquanto o político está pensando no hoje, em como resistir à pressão do setor X para não fechar, a despeito das mortes.

Como vê esse futuro?

Eu estou vendo a grande chance de um colapso nacional. Não é que todo canto vá colapsar, mas boa parte das capitais pode colapsar ao mesmo tempo, nunca estivemos perto disso. Se eliminar o genocídio indígena e a escravidão, é a maior tragédia do Brasil. A ausência de comando do governo federal é danosa. Isso é uma guerra. Em outros países essa é a mensagem que foi dada, veja a China. É curioso ver que no mundo ocidental exista dificuldade de transmitir essa mensagem da gravidade. Em Israel, metade da população foi vacinada no meio de um lockdown, e Israel é um país que entende o que é uma guerra. Adotaram discurso de salvação nacional, a mobilização foi total.

Além da falta de gestão, a população também deixou de se mobilizar?

Eu tenho me perguntado muito: qual é o valor da vida no Brasil? Que valor os políticos dão para a vida do cidadão se não fecham as atividades num lugar com 100% de ocupação dos leitos? Ter que preservar a economia é não só uma falsidade econômica como demonstra completa falta de empatia com a vida das pessoas. O que mais me assusta é o pouco valor à vida. Os políticos são o primeiro componente, mas a sociedade também. Porque, quando alguém vai a uma festa clandestina de fim de ano, de carnaval, se aglomera numa balada ou à beira do campo de futebol, não compromete só sua saúde, mas a vida dos seus familiares, seus vizinhos e das pessoas que nem conhece. Nossa sociedade em algum momento perdeu a conexão com o quão irreparável é a vida.

O pessoal fala que daqui a um ano vai estar tudo certo, em 2022 vai ter carnaval. Do jeito que a carruagem está andando, a perda de vidas pode chegar ao dobro daqui a um ano. E tudo isso num país que tem um sistema de saúde conhecido no mundo, capilarizado, que tem tradição de campanhas de vacinação. Ninguém esperava que o Brasil fosse ter uma performance tão baixa. Poderíamos estar vacinando 10 milhões, mais do que qualquer país. É como uma tragédia grega, mas é brasileira, que alguém vai contar um dia. Porque ela é épica, como a derrota dos troianos.

O lockdown é a resposta?

O Brasil precisaria de um lockdown nacional, com uma campanha de comunicação, porque a gente precisa da colaboração da população. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia. Nessa altura, essas medidas de restrição de horário não têm efeito, porque o grau de espalhamento é tão enorme que se compensa durante o dia, quando as pessoas vão aos restaurantes, shoppings, pegam transporte lotado, não funciona.

A consequência da perda de meio milhão de pessoas não dá nem para imaginar. Sem gente não tem economia, ninguém produz, ninguém consome. É inconcebível.

É possível impedir essa catástrofe?

Tem saída, mas tem que mudar tudo. Ainda dá tempo de reverter. Estou propondo a criação de uma comissão de salvação nacional, sem Ministério da Saúde, organizado pelos governadores, para resolver a logística. É uma guerra, quando vamos bater de frente com o inimigo de verdade? O Brasil é o maior laboratório a céu aberto para ver o que acontece com o vírus correndo solto. Em segundo lugar, um lockdown imediato, nacional, de 21 dias, com barreiras sanitárias nas estradas, aeroportos fechados. E depois ampliar a cobertura, usando múltiplas vacinas. Não dá para ficar discutindo, assina o contrato e vai em frente, deixa para depois, estamos falando da vida de 1.500 pessoas por dia, são 5 boeings caindo. Vacinação, vacinação, vacinação, testagem e isolamento social. Não tem jeitinho numa guerra. Estamos diante de um prejuízo épico, incalculável, bíblico.

Conversa com Bia e Mau


Conversa com Bia e Mau - 25-02-2021

Com 1.582 mortes por Covid-19 em 24 h, Brasil bate recorde de óbitos na pandemia

Sete dos dez dias com mais mortes no país ocorreram em 2021; dia também registrou recorde de média móvel de óbitos

Folha

Um ano depois do primeiro caso de Covid-19, o Brasil registrou o maior número de óbitos pela doença em 24 horas em toda a pandemia. Nesta quinta-feira (25), foram registradas 1.582 mortes de brasileiros pela Covid. Com expansão da doença em diversos locais, os dados apontam que o país vive o pior momento da pandemia.

O recorde anterior de mortes (1.554) tinha ocorrido em 29 de julho do ano passado, seguido por 4 de junho, com 1.470 óbitos. O ranking, porém, já é dominado por 2021. Sete dos dez dias com mais mortes na pandemia ocorreram em 2021.

Com as mortes registradas nesta quinta, o país chegou 251.661 óbitos.

A média móvel de mortes pela Covid foi recorde, pelo segundo dia consecutivo. O valor chegou a 1.150, nesta quinta, com crescimento de 7% em relação ao dado de 14 dias atrás, o que representa uma situação de estabilidade. Na quarta, o valor era de 1.129. Essa média é recurso estatístico busca dar uma visão melhor da evolução da doença, pois atenua números isolados que fujam do padrão. A média móvel é calculada somando o resultado dos últimos sete dias, dividindo por sete.

O país também completa 36 dias seguidos de média móvel acima de 1.000.

Além do elevado número de mortes, o Brasil também registrou 67.878 casos de Covid. Com isso, o país soma 10.393.886 pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 desde o início da pandemia.

Foram aplicadas no total 8.088.918 doses de vacina (6.338.137 da primeira dose e 1.750.781 da segunda dose), de acordo com as informações disponibilizadas pelas secretarias de Saúde. Nesta quinta, foram 158.237 primeiras doses e 166.212 segundas.

As vacinas disponíveis no Brasil são a Coronavac, do Butantan em parceria com a farmacêutica Sinovac, e a Covishield, imunizante da Fiocruz desenvolvido pela parceria entre a Universidade de Oxford e a AstraZeneca.

​A iniciativa do consórcio de veículos de imprensa ocorre em resposta às atitudes do governo Jair Bolsonaro (sem partido), que ameaçou sonegar dados, atrasou boletins sobre a doença e tirou informações do ar, com a interrupção da divulgação dos totais de casos e mortes. Além disso, o governo divulgou dados conflitantes.​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​

Tragédia na tragédia: O desgoverno de Bolsonaro na pandemia




Em meados de dezembro, Jair Bolsonaro disse que o Brasil vivia “um finalzinho de pandemia”. Os números indicavam outra coisa, mas o presidente insistia em subestimar a Covid. Dois meses e meio depois, a crise sanitária atinge seu pior momento. Ontem o país registrou 1.582 mortes em 24 horas, um recorde desde a chegada do vírus.

Em um ano, já morreram mais de 250 mil brasileiros. Agora a nova explosão de casos se soma à escassez de vacinas. O país amarga uma tragédia dentro da tragédia: o desgoverno do Capitão Corona aumenta o poder de destruição da doença.

Bolsonaro conspirou abertamente contra a saúde pública. Estimulou aglomerações, fez campanha contra o uso de máscaras, travou a negociação de vacinas e ejetou dois médicos do ministério. Entregou a pasta a um paraquedista trapalhão, escolhido por não contestar as ordens do chefe.

Em janeiro, o general Eduardo Pazuello deixou faltar oxigênio em Manaus. Ele havia sido avisado com dias de antecedência, mas não se mexeu para evitar o colapso nos hospitais. Nesta quarta, o ministério militarizado admitiu outro erro grotesco: enviou para o Amapá vacinas destinadas ao Amazonas.

A pane na imunização é mais um reflexo do desgoverno. O Brasil registra 10% das mortes pela Covid em todo o mundo, mas aplicou apenas 3% das vacinas. Ontem o Rio retomou a vacinação de idosos, que havia sido suspensa por falta de doses. No sábado, terá que interromper a campanha pela segunda vez.

“Não sei onde vamos parar. Se o Brasil mantiver a vacinação a conta-gotas, o número de mortos pode ultrapassar os dois mil por dia. O país corre o risco de virar uma grande Manaus”, alerta um ex-ministro do miliciano.

Demitido por Bolsonaro no início da pandemia, ele projeta um cenário de “desastre anunciado” nas próximas semanas. “O sistema de saúde está se despedaçando. Quem está no comando sabe o que é coturno, mas não sabe o que é seringa ou agulha. E os técnicos que restaram no ministério estão morrendo de medo”, conta.

“No meio da crise, o Paulo Guedes ainda quer aprovar o fim da vinculação de recursos para a saúde. Se isso passar, será o tiro de misericórdia no SUS”, afirma um ex-ministro do miliciano.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

50 mil mortes em 48 dias