sábado, 29 de fevereiro de 2020

Intercept é quinta-coluna

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Acabo de retirar meu email da lista de envios do The Intercept.

Além das grosserias que o próprio Glenn dirigiu a mim quando questionei o fato de as "reportagens" e os "áudios" da Vaza a Jato terem sumido, agora eles usam a lista de emails para uma série de ataques ao governador Flávio Dino quem, acredito, seja um nome fortíssimo contra o fascismo e capaz de unificar a esquerda.

Acho estranho a atitude do The Intercept. Ela parece as atitudes de uma ala do PSOL que tem Luciana Genro e Babá como representantes. Sempre apostam na divisão, na agressão e não raro erram totalmente suas estratégias.

Na história chamamos este tipo de comportamento de quinta-coluna. Ainda que não sejam claras as intenções do The Intercept vejo-as com muita apreensão. Sinto repulsa semelhante por estes emails do que sinto quando leio os tweets da "Lulu" apoiando a Lava a Jato ou de outros membros do PSOL culpando a Dilma pelo golpe de 2016. Resquício de machismo evidente. A vítima nunca é culpada.

Revista QuantoÉ dá outra traulitada no Bozo


A igreja evangélica é um clube de serviços e oportunidade de ascensão social em troca de 10% do que você ganha



O MACACO NU

Claudio Vigo

Nem nos meus maiores pesadelos, porres ou desesperos eu poderia imaginar que um dia fossem contestar a terra esférica e a teoria da evolução das espécies. Já tem gente relativizando até a lei da gravidade. Os crentes neopentecostais leem a Bíblia como se fosse um romance realista de Émile Zola, sem compreender.

Na época mais fechada da idade média tínhamos pendengas de altíssima complexidade e figuras como Santo Agostinho e Tomás de Aquino, todo um caldo de cultura que na atualidade é relativizado nesta suma teológica que se resume numa frase: O meu em dinheiro por favor. Obscurantismo de resultado.

Sempre conto a história de um almoço que tive com um eminente pastor de uma Igreja protestante tradicional, quando perguntei: “Não incomoda a vocês que são protestantes “históricos”, esse achaque aos pobres, com tabelinha de milagres e dizimo no cartão de débito?” obtive a resposta: “ Preferimos muito mais canalhas que levem a palavra de Deus que ateus bem intencionados como você”. Nada mais foi dito nem perguntado.

Já participei de conclaves e inúmeras reuniões com a alta cúpula de muitas destas igrejas e posso dizer que quando a porta fecha a coisa fica punk. Entre uma oração e outra, as coisas são colocadas com toda a clareza business e estratégia de poder. Parece a Cosa Nostra.

Nunca me senti pior de quando tive que explanar um projeto em um palco, entre sessões de exorcismo, milagres, duelo de bíblias e povo gritando Aleluia, revirando os olhos, falando línguas. Uma energia sinistra e carregada.

Na verdade a igreja hoje nada mais é que um clube de serviços e uma oportunidade de ascensão social em troca de apenas 10% da miséria que você ganha. Lá você vai se sentir protegido e ungido e terá a sensação de pertencimento a algo sólido . Bem diferente das políticas públicas, dos candidatos que só aparecem na eleição e que roubam bem mais que 10%, pelo menos na igreja o jogo é as claras. Terá lazer, se sentirá melhor que os outros, você conhece a palavra de Jesus. Um escolhido que receberá benesses financeiras e do além, quanto mais doar para a obra do Senhor. Muito sedutor e simples. Sem transcendência e complicações. O Diabo é o inimigo, tudo está na Bíblia e o pastor é o tradutor.

O projeto é substituir a Igreja Católica na estrutura de poder institucional. Quem antes também implicava com tudo, atormentava as consciências dos diferentes e trazia seus fiéis a ferro e fogo na culpa e danações. Os crentes são mais leves, só 10% e você ganha todo o pacote de preconceitos que vão te diferenciar, sem necessidade de mandar ninguém para a fogueira real, só na metafórica

Vivemos hoje uma Guerra Santa, o Estado está ocupado por um aparelho religioso que quer finalmente seu lugar ao sol. Tem sua bancada fiel, tomou conta do poder executivo e ruma para evangelizar qualquer coisa que passe na frente. Chegou a hora da gente direita se vingar de tudo aquilo que não compreende, ou sai fora do seu pacote comportamental.

Não se queima gente, mas todos os lugares onde se exerça a diferença. Me passa pela cabeça qual a reação futura se esses Talibãs de Cristo conseguirem formatar a sociedade sob este tacão e o que aconteceria com livros como a Função do Orgasmo de Reich ou mesmo Desmond Morris e seu Macaco Nu.

Coronavírus: a pandemia da pandemia


José Eduardo Agualusa

Peguei um resfriado nas noites frias de Marrakech, onde estive durante uma semana, participando num festival literário. Viajando de avião entre Marrocos e Portugal, não consegui conter um ou outro espirro. Ao terceiro, a passageira sentada ao meu lado levantou-se e procurou outro lugar. Logo um outro imitou o gesto da primeira. Viajei com mais espaço e conforto.

Passei a viagem lendo uma coletânea de antigos textos jornalísticos de Gabriel García Márquez, “Obra periodística 3. De Europa y América (1955-1960)”. Corria o ano de 1957. O escritor e jornalista colombiano recorda o início de uma das maiores tragédias daquele tempo: 4 de maio, Cingapura. Um obscuro professor inglês, da Malaysian University, observa uma série de amostras de microorganismos que nessa manhã haviam chegado de Hong Kong. Assustado, envia nesse mesmo dia a amostra para Londres, com um alerta para as autoridades competentes. Tarde demais. No momento em que o avião aterrou em Londres, já vários marinheiros de um barco saído de Cingapura, dias antes, haviam começado a queixar-se de fortes dores no corpo. Um morreu. Os outros contaminaram médicos, enfermeiras e pacientes do hospital onde foram internados. “Quatro meses depois”, escreve García Márquez, na mesma noite em que estreou em Londres o último filme de Charlie Chaplin, “Um rei em Nova York”, a gripe asiática havia acabado de dar a volta ao mundo.” Matou dois milhões de pessoas. Anos antes, entre 1918 e 1919, a gripe espanhola levou cem milhões.

A epidemia do coronavírus, que entretanto conseguiu sair da China e se expande agora por um sem número de países, não parece ter o vigor assassino dos dois casos que citei. Tem potencial, contudo, para abalar a economia dos territórios mais atingidos, até o momento a China e a Itália. Além disso, ameaça corromper o bom senso e as regras básicas de convivência em sociedade.

O perigo maior não é o vírus, mas o pânico. Como tantos outros eventos dramáticos, a epidemia em curso tende a expor o pior da natureza humana: a xenofobia, o egoísmo, a curiosidade mórbida, o mercantilismo, a tendência para o alarmismo.

Turistas e imigrantes chineses sofreram ostracismo e ameaças em vários países do mundo. Restaurantes chineses perderam clientes. Agora chegou a vez dos restaurantes italianos. À medida que o vírus for colonizando o planeta, a xenofobia deixará de fazer sentido. Passaremos a ter medo não de um tipo de rosto em particular, mas de todos. Na última fase, depois que o vírus se espalhar, iremos habituar-nos a conviver com ele, como nos habituamos a conviver com a gripe comum, ainda que esta mate 700 mil pessoas todos os anos.

Nos dias que correm, as notícias falsas propagam-se mais depressa do que os vírus. Com medo da pandemia, há quem se deixe infetar por todo o tipo de preconceitos. Infelizmente, é muito mais difícil combater estes do que qualquer vírus. Por exemplo, enquanto a maioria se aflige e chora, uns poucos fabricam lenços — no caso, máscaras. Esses estão a fazer muito dinheiro, ainda que as máscaras, segundo asseguram os médicos, pouco protejam.

Ou seja: o pior inimigo da humanidade continua a ser o próprio homem.

O capitalismo premia o mau-caráter



No capitalismo só ascende socialmente das camadas médias para a classe dominante quem roubou, deu um golpe, herdou ou ganhou na mega. Ninguém torna-se classe dominante trabalhando. Quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro. O capitalismo é um sistema que premia o mau-caráter.

Humberto Matos

As promessas e infortúnios do admirável mundo novo da economia de aplicativos

Brasil, dá-se por feliz o trabalhador que pedala 30 km e 12 horas por dia
O mundo novo de verdade não chegou.
Mario Sergio Conti

Que trabalhar é uma maldição se sabe desde a Bíblia: “Ganharás o pão com o suor do teu rosto”. No Brasil, dá-se por feliz o trabalhador que pedala 30 km e 12 horas por dia, fazendo entregas seis dias por semana. Sua renda mensal é de R$ 1.000. Não tem hora extra, plano de saúde, 13º, férias.

Mas tem uma bicicleta. Ela faz com que não seja um empregado. Quem disse isso foi a 37ª Vara de Trabalho de São Paulo. No mês passado, ela usou um conceito marxista para dar ganho de causa à iFood e à Rapiddo: dono do “meio de produção”, o entregador não tem vínculo empregatício com a empresa.

Logo, é um autônomo, quiçá um burguês. Não precisa de direitos trabalhistas. Isso apesar de, como moram longe, os entregadores por vezes dormirem na rua —com a cabeça enfiada no caixote da comida para atenuar o barulho e a luz.

Eis o admirável mundo novo da economia dos aplicativos, das plataformas digitais, da uberização. Uma boa introdução ao assunto é “Les Nouveaux Travailleurs des Applis” (Presses Universitaires de France,115 pag)com artigos de sociólogos, cientistas políticos e juristas.

O livro parte de uma pergunta singela: chamar um carro por meio de um aplicativo, em vez de pelo telefone, constitui uma revolução, como sugere o termo uberização? Apesar de revolução ser uma palavra enorme —sobretudo na França—, a resposta é sim.

Até porque, ao entrar para o dicionário “Robert”, a uberização foi definida com as tintas da mudança radical: “Transformar um setor da atividade econômica com um modelo inovativo, que tira partido da digitalização”.

As plataformas não são uma mera inovação tecnológica. São, diz o livro, “um novo espaço para modificar as regras do jogo em matéria de trabalho e emprego”. A Uber, por exemplo, foi fundada em 2010 e transporta 110 milhões de pessoas em 70 países. Tem 5 milhões de motoristas e apenas 27 mil funcionários contratados —e nenhum carro.

No Brasil, está em cem cidades, tem 22 milhões de fregueses e 600 mil “motoristas parceiros”. Junto com Rappi, iFood e 99, é um dos raros setores dinâmicos da economia. O número de brasileiros que trabalham em transporte cresceu 30% em 2018. São 3,6 milhões de pessoas.

As plataformas digitais se definem como empresas de tecnologia. É verdade, mas não só. Elas fazem intermediação: via tecnologia, aproximam clientes de prestadores de serviço. E ganham uma comissão – de 5% a 30% —para realizá-la.

Já seus trabalhadores ganham por serviço realizado. São amadores que fazem bicos. Não têm a perspectiva de ter uma carreira, desempenhar novas funções, subir na vida. Estão condenados à atomização.

Nos Estados Unidos, a economia 3.0 responde por quase 7% do PIB, mas emprega apenas 2,5% da mão de obra nacional. As gigantes extraem dados dos usuários e os revendem a anunciantes: Google e Facebook.

As de produtos oferecem serviços em troca de assinaturas pagas: Spotify e Netflix. E há as que usam massas de desempregados ou pequenos proprietários para oferecer produtos a clientes: Airbnb e Uber.

Para “Les Nouveaux Travailleurs des Applis”, o setor é altamente monopolista. A compra do LinkedIn pela Microsoft (por US$ 25 bilhões) e do WhatsApp pelo Facebook (US$ 19 bilhões) são exemplos. Mas o livro enfatiza as plataformas colaborativas —as que ligam as chamadas pessoas comuns, em busca de um objetivo ou serviço.

Florescentes na França, as plataformas colaborativas dificilmente vingam. Se não recebem investimentos e ganham mercado, vão à falência. Ou sucumbem à lógica do lucro, ou perecem. O único caso de sucesso apresentado é a Wikipédia: grátis e produzida por meio de trabalho não remunerado.

Não obstante, a ideologia do trabalho livre e do empreendedorismo atrai milhões de pessoas para as plataformas —talvez seja o principal motivo, depois do desemprego. Isso fica claro em “Você Não Estava Aqui”, o filme de Ken Loach que acabou de estrear.

O protagonista, funcionário na construção civil, explica no começo por que deseja ser entregador de uma plataforma digital. Quer se livrar dos chefetes tirânicos, dos colegas preguiçosos, do salário irrisório, dos horários impostos, dos gestos mecânicos, do cansaço permanente —da cadeia de comando que lhe inferniza a vida.

Quer ser dono de seu nariz. Quando começam as dificuldades, não tem a quem recorrer. Não tem companheiros, categoria profissional, classe social. O trabalho digital se resume à labuta sem futuro. O mundo novo de verdade não chegou.

Facada Fest


Fake news no WhatsApp sobre o álcool gel


Instituto de Química da UFRJ

O Conselho Regional de Química da 5ª Região vem pronunciar-se veementemente contra um vídeo que está circulando nas redes sociais de compartilhamento de mensagens. Nele, um cidadão se intitula “químico autodidata” (químico sem formação acadêmica), ex funcionário e ex proprietário de indústrias químicas e pronuncia verdadeiros absurdos com relação à utilização do álcool gel para a saúde. O indivíduo, contrariando autoridades sanitárias, afirma que o produto não é suficientemente capaz de desinfetar ou tirar os germes das mãos. Para ele, o “álcool gel não mata nada” e é comercializado apenas com o intuito de grandes empresas lucrarem, sem função alguma para o organismo humano.

Na contramão disto, o CRQ-V afirma que o álcool gel funciona perfeitamente bem e seu uso é essencial em laboratórios, hospitais e outros ambientes. Em um momento delicado para a saúde global, onde o mundo inteiro encontra-se em alerta com relação ao coronavírus, o uso deste produto, bem como outros métodos de higienização e esterilização, é essencial para que se mantenha a higiene e saúde humana. Sua composição química incluindo hidroximetilcelulose (ou outro espessante) e álcool é simples e permite que o produto, em forma de gel, se espalhe da melhor forma na pele.

Lembre-se de sempre buscar informações em fontes seguras, principalmente quando o assunto é sua saúde.

Bolsonavírus


Fernando Haddad
Alvos preferidos são mulheres, pobres, pretos, nordestinos, LBGTs...
Em tempos de pandemia, vale a pergunta sobre os maiores males que afligem a nação.

A antropóloga Lilia Schwarcz, no livro “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” (que todo jovem deveria ler), descreve as pragas trazidas pelos colonizadores da América portuguesa. São velhos conhecidos nossos: escravismo, patrimonialismo, mandonismo, patriarcalismo, intolerância etc.

São, de fato, nossas características congênitas. Convivemos com elas e, de certa maneira, muitos de nós as naturalizam. Não há como superá-las sem cultivar a liberdade e radicalizar a democracia, incluindo sua dimensão econômica.

Democratizar o acesso à educação profissional e superior (científica) para formar cidadãos críticos e trabalhadores criativos. Democratizar o acesso à terra, urbana e rural, para livrarmo-nos do monopólio que condena à miséria milhões de brasileiros. Democratizar o acesso ao crédito, para que os meios de produção possam trocar de mãos, ensejando formas socioambientalmente sustentáveis de organização da produção.

A democracia, entretanto, em condições específicas, também adoece e, por vezes, “seleciona” agentes que põem em questão seus fundamentos. Em momentos de crise aguda, o sistema imunológico da democracia se debilita, e um vírus oportunista pode se instalar no corpo social.

Nessas circunstâncias, aquelas características congênitas voltam a se manifestar ainda com mais força, causando uma espécie de estupefação nos que não foram infectados. Trata-se de uma nauseante “redescoberta” do Brasil, um pesadelo acordado.

Esse vírus oportunista tem, portanto, seus alvos preferenciais. Mulheres, pobres, pretos, nordestinos, LBGTs, professores, jornalistas, cientistas, artistas etc., ou seja, todos aqueles que representam, de alguma forma, uma ameaça, ainda que difusa, ao status quo são considerados inimigos. Se a pessoa somar dois desses atributos (jornalista mulher p.ex.), as coisas se complicam ainda mais.

Assim, nada mais errôneo do que considerar Bolsonaro um raio em céu azul ou um acidente de percurso. Bolsonaro é a recidiva agressiva de nossas patologias insuperadas, em face de um sistema imunológico debilitado. Ele tanto intui isso que as mentiras que dissemina não são camufladas, o que lhe permite aferir com precisão o grau de adesão cega a seu movimento pestilento.

Por fim, vale notar, as viroses espirituais guardam duas diferenças com as meramente corporais. As viroses espirituais trazem grandes vantagens para seus disseminadores, sejam pastores charlatões ou empresários inescrupulosos; e elas só se curam com mais, e não menos, proximidade entre o público-alvo.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

FALTA DE DECORO SEM IMPEACHMENT É CRIME SEM CASTIGO



Requisito jurídico para abrir processo contra Bolsonaro por crime de responsabilidade foi cumprido; o resto é política

RAFAEL MAFEI RABELO QUEIROZ
É professor da Faculdade de Direito da USP

Revista Piauí

O impeachment é jurídico e político. Esse truísmo, se não for bem interpretado, serve de tapume para abusos e evasivas.

O abuso: alicerçar a tese descabida de que o Congresso define crimes de responsabilidade como bem quiser, de acordo apenas com a conjuntura política do dia. Crimes de responsabilidade são atentados graves à Constituição, praticados pelo presidente que tem o dever de respeitá-la e fazer com que ela seja respeitada; se configurados, permitem sua remoção pelo Congresso, como medida extrema de salvaguarda democrática. Tal definição é jurídica e se faz não apenas à luz da lei e dos precedentes relevantes sobre a matéria, mas também dos pressupostos do impeachment dentro do quadro de uma democracia presidencialista.

A evasiva: autoridades políticas incumbidas de levar adiante o processo de impeachment se esconderem atrás de supostas polêmicas de interpretação legal. Polêmicas podem ser esticadas até o infinito se a autoridade competente para decidir sobre elas assim desejar.

Como pretendo demonstrar, não existe mais dúvida jurídica sobre os crimes de responsabilidade por quebra de decoro por parte de Jair Bolsonaro. Há crime, e o requisito jurídico para seu impeachment está atendido. A discussão pertence, doravante, apenas ao terreno da prudência das lideranças políticas do país, especialmente Rodrigo Maia.

Impeachments têm lugar quando estão presentes dois requisitos concomitantes: 1) uma autoridade abusando de seus poderes de modo grave, trazendo perigo à integridade de instituições essenciais à democracia (os demais poderes, a imprensa, as organizações da sociedade civil etc.); 2) e quando esses abusos de poder não podem ser contidos de maneira eficaz por meio dos mecanismos ordinários de freios e contrapesos constitucionais, como ações judiciais ou decretos legislativos.

Esse desenho básico ganha contornos diferentes em cada país. No Brasil, é da nossa tradição definir em lei especial os crimes de responsabilidade e as regras de seu processo, bem como dar aos cidadãos, e não à Câmara dos Deputados, a atribuição de oferecer denúncias.

Entre os crimes de responsabilidade de nossa Lei do Impeachment está o de “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Ao contrário de outros crimes, cujas condutas são desenhadas com contornos mais precisos (“permitir que força estrangeira transite pelo território do país quando a isso se oponha o Congresso Nacional”, por exemplo), a definição de conduta indecorosa e indigna exige maior imaginação interpretativa. Mas o crime está na lei e não pode, só por essa dificuldade, ser ignorado.

Seu sentido é simples: ele exige que o presidente guarde limites no comportamento e no verbo, de modo que não apenas preserve a respeitabilidade da Presidência, mas também que não se aproveite do peso de seu cargo para atacar e constranger as instituições, autoridades e profissionais encarregados de refreá-lo, fiscalizá-lo e dar transparência a suas ações.

Não há nada de estranho em meros atos de fala implicarem crimes de responsabilidade. A Lei do Impeachment é repleta de crimes que são cometidos apenas com a palavra: “hostilizar”, “constranger”, “ameaçar”, “incitar”, “provocar animosidade”. 

Esse rol é pedagógico para quem ainda insiste em polemizar quanto à possibilidade de crimes de responsabilidade serem cometidos apenas pela retórica presidencial: a lei corretamente reconhece que o discurso do presidente é uma forma de exercício de poder, e que por isso deve guardar limites de convivência institucional e civilidade política. Ela o faz porque sabe que a palavra presidencial é capaz de gerar consequências tangíveis.

A lei não aceita que um presidente nomeie jornalistas, jornais e redes de TV como adversários do governo, sabendo que a turba que o segue os perseguirá nas redes e fora delas; não aceita que ele provoque assinantes e anunciantes a boicotarem a mídia que o incomoda, sabendo que leitores e empresários que o admiram atenderão a seu apelo; não aceita que ele oferte suas aparições aos veículos que o afagam e que a sonegue aos demais, rompendo com seu dever de impessoalidade; não aceita que ele abra mão do compromisso com a verdade para colocar em dúvida a integridade de repórteres e cientistas que publicam fatos e dados que não interessam ao governo, afetando também a reputação do jornalismo e da ciência; não aceita que ele estimule policiais à violência e criminosos ambientais ao desmatamento, oferecendo leniência que não é sua para dar; não aceita que se regozije com a morte de um adversário da ditadura, regime incompatível com o da Constituição que o presidente deve defender, para atacar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. E a lei, definitivamente, não admite que o presidente da República endosse quem vai às ruas pedir o fechamento do Congresso “chantagista” e do Supremo Tribunal Federal. Tudo isso integra o repertório das violações de Bolsonaro ao decoro presidencial, um rol que ele atualiza diariamente.

Bolsonaro fez carreira no Congresso às custas de uma retórica ao mesmo tempo degenerada e descompromissada com qualquer realização prática. É produto da leniência das sete gerações parlamentares que deram de ombros a seus abusos enquanto deputado: odes à tortura e a torturadores, apelos ao fechamento do Congresso, celebrações anuais do golpe militar de 1964, lamentos pelo baixo número de assassinados na ditadura e insultos misóginos integram a retrospectiva de seus piores momentos, porém únicos de destaque, na Câmara dos Deputados.

Quando deputado, ele ainda podia tentar argumentar que era protegido pela inviolabilidade constitucional por suas opiniões e palavras; como presidente, já não pode mais. Bolsonaro presidente não tem a proteção de que Bolsonaro deputado desfrutou para dizer o que bem lhe aprouvesse, como se não houvesse consequências. Há: jornalistas são ameaçados, assinaturas de jornal são canceladas, ONGs são atacadas, burocratas leais e oportunistas correm para mostrar serviço, seguidores se inflamam nas ruas, palestras são canceladas, famílias são criminosamente expostas. O abuso do poder retórico do presidente produz vítimas reais, enfim; por isso a lei lhe impõe decoro.

É fundamental fixar esta premissa: o requisito jurídico para o impeachment por indignidade e quebra de decoro está cumprido. Quando as denúncias chegarem à mesa de Rodrigo Maia, apenas juízos de conveniência política poderão impedi-lo de prosseguir. É o jogo jogado, e há mesmo sensatas razões para que Maia resista em dar-lhes andamento. A mais óbvia delas, o trauma político que representaria um terceiro impeachment na história recente do Brasil.

Mas a preservação da integridade da Presidência da República exige que, mesmo nesse caso, as lideranças políticas venham a público deixar claro que Bolsonaro cometeu, sim, crime de responsabilidade, e que a decisão de aceitar ou não a denúncia contra ele já pertence ao terreno das avaliações políticas, renovadas à luz da conjuntura de cada dia.

Se alimentar a versão de que ainda há dúvidas jurídicas sobre a ocorrência do crime, Rodrigo Maia emitirá o atestado de óbito da exigência de decoro presidencial: se nem a conduta de Jair Bolsonaro configurar abuso indecoroso do poder retórico presidencial, será o caso de riscar, de uma vez por todas, o crime da lei, e reconhecer que ele é impossível de ser cometido.

Bozonaro tenta ser o Fujimori do Brasil

O golpista FHC condecora o ditador golpista Fujimori

O exemplo não é Maduro, é Fujimori

Bernardo Mello Franco

A escalada autoritária do governo tem estimulado comparações entre Jair Bolsonaro e Nicolás Maduro. É um situação curiosa, porque o capitão passou toda a campanha atacando o regime chavista. Mas ele não parece se inspirar na Venezuela, e sim no Peru de Alberto Fujimori.

Em 1990, o escritor Mario Vargas Llosa entrou na sucessão peruana como favorito. Foi atropelado pelo azarão Fujimori, que seduziu o eleitorado com a imagem de homem simples e a promessa de combater a violência e a corrupção.

O novo presidente assumiu sem maioria no Congresso, onde passou a sofrer sucessivas derrotas. Acuado, cercou-se de militares e iniciou uma ofensiva contra o Legislativo. Em abril de 1992, deu um autogolpe e passou a governar com plenos poderes.

Fujimori fechou o Congresso e ordenou a prisão dos presidentes da Câmara e do Senado. Ao justificar as medidas, acusou os parlamentares de sabotarem os interesses da nação e do “cidadão comum”.

O autogolpe instaurou um regime autoritário, que perseguiu opositores, censurou a imprensa e conduziu o Peru ao isolamento internacional. No ano seguinte, um deputado brasileiro saiu em defesa do ditador. “A fujimorização é a saída para o Brasil”, afirmou Bolsonaro ao “New York Times”.

Em 1996, o capitão repetiu os elogios na tribuna. Disse que Fujimori era um líder “honesto e patriota”, que fazia “um excelente governo”. Ele também exaltou a política de controle de natalidade do regime, que esterilizou mais de 300 mil mulheres à força.

A ditadura fujimorista terminou mal. Depois de dez anos no poder, o peruano renunciou em meio a um escândalo de corrupção. Em 2009, ele foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade. Sua filha Keiko quase chegou à presidência pelo voto, mas também acabou presa por lavagem de dinheiro.

Como todo autocrata, Fujimori fingia se guiar por valores patrióticos. Na noite em que anunciou o autogolpe, ele prometeu defender os “reais interesses do povo” e instaurar uma “democracia real” no Peru.

A escalada autoritária do governo tem estimulado comparações (na mídia-lixo) entre Bolsonaro e Maduro. Mas o exemplo do capitão não parece vir da Venezuela, e sim do Peru

"Foda-se" do general Heleno sintetiza projeto de governo de Bolsonaro

Bolsonaro devolveu ao 'foda-se' o peso perdido
Hoje banal, expressão usada por general Heleno sintetiza projeto de governo do presidente
Luiz Fernando Vianna

Segundo a versão oficial, o ministro e general Augusto Heleno não sabia que o sistema de som do Palácio do Planalto estava ligado quando, no último dia 19, queixou-se de deputados e senadores: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se.” Também não sabia, é claro, que seu linguajar chulo restituiria a intensidade do palavrão utilizado.

O “foda-se” já foi uma expressão pesada, dessas que um defensor da boa família brasileira não usa. Agora está até em artigo de site de revista séria. Está em título de best-seller, exposto em todas as livrarias, visível para qualquer criança: “A sutil arte de ligar o f*da-se” (o asterisco esconde menos do que tapa-sexo de rainha de bateria). O sucesso fez o autor, Mark Manson, repetir a dose: “F*odeu geral” (no original, “Everything is fucked”).   

O “foda-se” virou o equivalente ao “fuck” em inglês, que nos filmes, decalcando a realidade, é proferido sem parcimônia.

Talvez por nossa subserviência aos americanos – tão praticada pelo presidente Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo e seu chanceler Ernesto Araújo –, banalizamos o “foda-se” como eles banalizaram o “fuck”.

Faça-se um teste: hoje nos choca mais o “foda-se” ou o “dane-se”? É o segundo, não? Tornou-se tão raro ouvir “dane-se” que virou uma imprecação mais afrontosa. Paulo Guedes sabe que, quanto menos se oferece um produto (dignidade, por exemplo), mais valioso ele fica.

Ao compartilhar chamadas para a manifestação de 15 de março contra os outros poderes da República, Bolsonaro transformou o suposto descuido do general Heleno em estratégia. Mais uma vez, ele investe contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal como se estes não venham salvando o seu governo da inépcia completa. 

A reforma da Previdência, tão defendida pelas elites e tão sabotada pelo próprio presidente, só passou graças à liderança de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados. No STF, Dias Toffoli e Luiz Fux já salvaram Flávio Bolsonaro duas vezes de ter investigadas suas movimentações financeiras. Permanecem impunes as “rachadinhas”: funcionários do gabinete do então deputado estadual fluminense – parte deles fantasmas – devolviam seus salários, que passavam pelos ex-policiais Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega, suspeitos de integrar milícias.

Ao virar arma política, o “foda-se” ganhou um peso que tinha perdido. Ou não: é o presidente que tem rebaixado a dignidade do cargo e feito do palavrão um lema à altura do seu comportamento de chefe de gangue. Não é de agora, mas desde janeiro de 2019 que “foda-se” sintetiza um projeto de governo. E os alvos são a inteligência, a decência, a resistência a um Estado policialesco e miliciano, a rejeição a quem ama torturas e ditaduras.

As bandeiras do momento são: impeachment, impeachment e impeachment

Impeachment de Bolsonaro: esta é a bandeira que deve ser levantada. 

Por Joaquim de Carvalho


Na véspera do impeachment de Collor, em 1992, os analistas diziam que o então presidente jamais cairia, por contar com número mínimo de apoio parlamentar.

Na semana em que Collor começou descer a ladeira de maneira irreversível, a revista Veja publicou uma capa desastrosa, com base naquilo que se considerava fato irreversível: Collor tinha apoio mínimo no Congresso.

Cravava que Collor manteria seu mandato, mas fraco.

No mesmo fim de semana, a IstoÉ publicou os recibos de depósitos em contas fantasmas apresentados pelo motorista Eriberto França, e a queda de Collor é que se tornou irreversível.

Antes disso, convencido de que a CPI que investigava as denúncias de corrupção não daria em nada, o senador Pedro Simon recusou a indicação de Ulysses Guimarães para ser o relator da comissão.

O posto foi ocupado por Amir Lando, um parlamentar obscuro, que havia assumido a cadeira no Senado dois anos antes, como suplente do senador Olavo Pires, que havia sido assassinado.

Digo isso a propósito das análises que estão sendo publicadas para tentar convencer o público de que o impeachment agora é bandeira sem chance de êxito.

Homens de pequena fé, alguém poderia dizer. Mas não. É apenas a consequência de quem desconhece os bastidores de Brasília e a dinâmica dos fatos, que muitas vezes, diante do imponderável, ganham vida própria.

Políticos trabalham como se pudessem controlar essa dinâmica, mas, na maioria das vezes, o que fazem é se adaptar a ela. Dizem hoje o que negaram ontem.

Há chance de Bolsonaro cair agora? Numa resposta objetiva, não. Mas ele pode cair? Sim. Do que depende? Da vontade dos políticos? Não. Depende das ruas.

Parte da elite, como mostram os editoriais do Globo, já trabalham pela saída de Bolsonaro, aparentemente convencida de que ele é ruim para os negócios. E é mesmo.

Mas o Globo não tem força para iniciar o processo que pode levar ao impeachment. Faz o diagnóstico, mas não tem coragem nem condição política para fazer a proposta. Certamente, conta que as ruas o façam.

E é para as ruas que os democratas devem se dirigir. Se não conseguirem levantar a bandeira do impeachment, que seria desejável, pelo menos podem ajudar a colocar limites em Bolsonaro e em seus apoiadores — gado, como é conhecido.

Desde 2014, essa massa de extrema direita tem agido com desenvoltura nas ruas, onde o povo democrático deveria estar.

Fez propostas que soavam absurdas, como intervenção militar, mas já conseguiram quase isso: primeiro com a intervenção no Rio, decretado no governo Temer, e agora com o Planalto ocupado por generais.

Mas muitos analistas e líderes, em vez de deixarem o povo gritar “Fora Bolsonaro”, “impeachment já”, como ocorreu na época de Collor, preferem brincar de feiticeiro, traçando estratégias de gabinete para enfraquecer o ex-capitão.

Convoque-se o general Heleno, aponta um. Aperte-se o Flávio Bolsonaro, diz outro. Pressione-se Sergio Moro.

Nesse teatro, Bolsonaro deita e rola desde que, lá atrás, já se falava em afastá-lo pelas declarações antidemocráticas.

Bolsonaro e o gado dele precisam conhecer a força das ruas, porque acham que, ali, são imbatíveis.

E as ruas só ficam cheias se houver um motivo claro, uma convocação objetiva.

Para os democratas, essa mensagem deve ser: Bolsonaro é indigno do cargo, comete crimes de responsabilidade em série, e precisa ser defenestrado.

Como?

A política encontrará o caminho. Mas o alvo ideal é: impeachment, impeachment e impeachment.

É possível conter o fascismo e derrubar o governo do crime organizado



Não há dois terços do Congresso para impichar Bolsonaro, mas há o que fazer 

É tempo de acumulação de forças no terreno democrático para conter a fascistização do governo e da política - O presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade na sua mais recente investida contra o Congresso e o Supremo? Segundo a Lei 1.079, que também pune as tentativas, nada menos de nove. Antes de concluir o terceiro mês de mandato, já havia outros quatro no currículo. Impeachment nele?

Não agora. Inexiste o mínimo de 342 deputados para levá-lo a julgamento no Senado. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mandaria a petição para o lixo. Nem precisaria discordar de seus termos para fazê-lo. Seria um erro político, tendente a fortalecer o fanfarrão truculento, admitir uma denúncia que morreria já na Comissão Especial.

É tempo de acumulação de forças no terreno democrático para conter a fascistização do governo e da política. Às armas, cidadãos! Comece-se por convocar o general Augusto Heleno. O seu “dofa-se” — perdão pelo decoro, ministro — para o Congresso quer dizer o quê? Incitar as ruas contra os Poderes Constituídos atende a que propósito? Um Parlamento que não o obrigue a sentar na cadeira das explicações está condenado.

Mais: as lideranças da Câmara e do Senado comprometidas com a institucionalidade têm de ficar atentas ao comportamento de figuras exóticas que hoje integram as suas fileiras. Aqueles que, em nome da liberdade e da imunidade, marcharem contra as próprias Casas que os obrigam têm de ser denunciados ao Conselho de Ética por quebra do decoro e cassados.

Já escrevi centenas de vezes, desde quando o PT no poder parecia mais eterno do que o bacalhau que pesa sobre os ombros do rapaz do rótulo da Emulsão Scott: o regime em que tudo pode é a tirania — ao menos para o tirano e seus amigos. A democracia conta com leis, normas, códigos de conduta. Os que se organizam para fraudar as regras têm de ser expulsos do jogo.

Acumulação de forças em defesa da ordem democrática! É preciso começar a desmontar desde já a delicada equação que nos trouxe até aqui. Não será fácil.

Cinquenta e quatro depois do golpe de 1964, os fardados resolveram se meter outra vez aventura cívico-militar para “salvar o Brasil”. Deu errado antes; dá errado agora. Lugar de fardado é no quartel ou no campo de batalha. Quando na ativa, só para lembrar, Bolsonaro queria explodir algumas bombas nos primeiros. Só entrou em guerra contra a lógica, o bom senso e a língua portuguesa.

Antes por meio do golpe, agora das eleições, o mau propósito dos fardados é o mesmo: colonizar o Estado na certeza de que civis são seres naturalmente degenerados, que se entregam a apetites vários que não o amor à pátria.

O desengano, talvez má-fé, pode ser assim sintetizado: ainda na transição para a democracia, Bolsonaro foi posto para fora do Exército porque revelara tentações terroristas. Na democracia, os quatro-estrelas resolveram submeter-se ao comando político do ex-filoterrorista que, como se vê, não aprendeu nada nem esqueceu algumas porcarias que julgava saber.

Pós-ditadura, os militares haviam recuperado a sua reputação e competência específica, inclusive com o dinheiro vasto que lhes garantiu o hoje demonizado Luiz Inácio Lula da Silva. Têm de começar desde já a organizar a saída, antes que afundem junto com os delírios de um lunático.

Mais uma tarefa para os articuladores do Congresso: além convocar os boquirrotos do Executivo e cassar os sabotadores “enratizados” em suas próprias fileiras, é preciso dialogar com a cúpula das Forças Armadas para dar início à descolonização do Estado.

Encerro a coluna comentando a performance de Sergio Moro, o verdadeiro líder da extrema-direita brasileira, a desfilar sobre um tanque em Brasília. O Mussolini de Maringá o fazia um dia depois de seu chefe (por enquanto...) endossar a convocação para um ato que prega que militares emparedem o Congresso e o Supremo.

Como observador da cena, fico satisfeito por jamais ter caído na lábia do tabaréu assoberbado em demiurgo. Como indivíduo, lamento. Até na imprensa há quem sinta, vendo aquela cena, certo desconforto nos joelhos. São calos decorrentes do vício da genuflexão.

Às armas, cidadãos! As da inteligência.

Reinaldo Azevedo
Jornalista, golpista, reacionário e autor do manual de ódio fascista “O País dos Petralhas”. Hoje aparentemente arrependido de seus crimes contra a Humanidade.

O radicalismo canalha do Estadão

Fernão Mesquita, ultra-direitista dono do estadão
Pablo Villaça

O Estadão publicou hoje um editorial no qual equivale o "radicalismo" de Lula ao de Bolsonaro, pintando-os com dois extremos comparáveis.

Esses desgraçados não aprendem de jeito nenhum. Como podem, depois de tudo isso, fazer uma equivalência entre Lula e Bolsonaro? Ideologia à parte, QUANDO, em todo seu tempo no governo, Lula ameaçou imprensa, congresso e sociedade civil? Se envolveu com milicianos? Que "radicalismo" de Lula é esse que em oito anos na presidência (além dos outros seis em que a esquerda esteve no poder com Dilma) não deu as caras? Quando viram Lula incitando milícias contra jornalistas ou outros cidadãos? Tentando usar seus eleitores para fechar o congresso?

Vocês do Estadão é que são o equivalente a Bolsonaro. Vocês - e veículos como o seu - é que demonstram um ódio tão grande pelos pobres e pela consciência de classe que não se importam de contribuir pra derrocada da democracia e dos direitos mais básicos.

VOCÊS são os radicais.

Meu SONHO é que Lula tivesse sido radical. Tivesse insistido numa reforma política, na regulação da mídia, no aparelhamento do Estado e na politização da população. Mas em nome de uma conciliação impossível com as elites, não fez nada disso. E hoje estamos como estamos.

Porque não há conciliação possível com a imunda "elite" econômica brasileira e com os veículos de comunicação que comandam (com direito aos jornalistas vendidos que fazem o serviço sujo pros patrões com alegria - vocês sabem quem são).

E depois vem gente dizer que eu tenho que parar de insistir em apontar o absurdo da "escolha muito difícil".

Inacreditável.

Cagaço gourmet


Leandro Fortes

SORORIDADE, AINDA QUE TARDIA

Se, lá atrás, tivesse havido tanta gente chocada e horrorizada com o que diziam e faziam com as jornalistas de esquerda da mídia independente, hoje seria mais fácil identificar e combater as bestas feras que partiram para cima de Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, e Vera Magalhães, do Estadão - está última, alegre participante do show de horrores do golpe de 2016 e, dali em diante, das brutalidades antipetistas perpetradas pela asquerosa Jovem Pan, na qual ela brilhava, impune.

Não se trata de desprezar a violência que, agora, se voltou contra jornalistas de direita: o puxa-saco nunca tem a dimensão exata de seus atos, porque seu interesse imediato é mesquinho e pessoal. Mas é preciso retirar algumas lições desse movimento da História.

Vera, como Sherehazade e Joice Hasselman, cada uma a seu modo, percebeu que a única proteção possível, em tempos de perseguição misógina da direita - que ela mesma alimentou com rações de cinismo e ódio - é a rede de mulheres e homens que ela tanto desprezou.

Foi o mesmo fenômeno que resultou na conversão de Patrícia Lélis, jovem jornalista de Brasília, ex-namorada de Eduardo Bolsonaro (o 03), obrigada a viver nos EUA, depois de denunciar um estupro perpetrado por Marco Feliciano, pastor e deputado bolsonarista da pior espécie e qualidade.

Agora, não adianta ir para o Twitter dizer que é feita de aço porque papai era juiz e não tinha medo da bandidagem. Isso é só cagaço gourmet.

Tem que refletir sobre as posições equivocadas do passado, fazer uma autocrítica honesta e ajudar na luta.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Infração gravíssima


Juju Mento



Milagre: Merval Pereira escreve o primeiro bom texto de toda sua vida



Sem limites 

Merval Pereira: O Globo
Não há possibilidade de uma retomada econômica com um clima de instabilidade política propiciado pelo próprio presidente
Não há explicação possível, além da tentativa de testar os limites da democracia, para o presidente Bolsonaro ter compartilhado um vídeo convocatório de uma manifestação contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) organizada por suas milícias virtuais, que anseiam transformarem-se em reais com incentivos como esse.

Alegar que o compartilhou apenas com um grupo de amigos de WhatsApp só confirma que apoia a convocação, pois se a repudiasse, como fariam líderes democráticos com noção da responsabilidade do cargo, não brincaria com fogo, nem mesmo em privado.

A gravidade seria de outra dimensão se Bolsonaro realmente não entendesse o papel fundamental de um presidente da República num país que luta para sair da recessão econômica, que trouxe o desemprego e o aumento da desigualdade para o centro do debate político radicalizado.

Mas os permanentes movimentos autoritários do presidente e de seus áulicos, especialmente os militares, indicam que o caminho traçado por ele não é o do debate democrático, mas o do enfrentamento permanente com as instituições que lhe limitam os poderes.

Bolsonaro esconde-se atrás da turba que sua irresponsabilidade alimenta, alega que não tem controle sobre as massas que o apoiam nas redes sociais. Desde a campanha presidencial é assim que atua, eximindo-se de responsabilidade sobre atos que estimula através da retórica do ódio.

O trabalho sujo, as milícias fazem. Seus ataques ao Congresso, em especial ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, ao Supremo, à imprensa profissional independente😂, são repercutidos nas redes e impulsionam a agressividade odienta que ameaça a estabilidade institucional do país.

A disputa política em torno do controle do orçamento, com emendas impositivas dos parlamentares retirando do Executivo a gerência sobre R$ 30 bilhões, é caso para ser resolvido dentro da relação de dois Poderes teoricamente iguais e harmônicos.

A crise é sintoma de um Executivo que não tem base parlamentar, e pretende compensar essa falha com um populismo desenfreado que só funciona em republiquetas de banana. Destino de um país que se submete aos delírios de vários tipos de dirigentes populistas, de esquerda ou de direita.

A situação chegou a tal ponto de degradação que o grupo político que tenta oferecer alternativa republicana aos extremismos a que estamos submetidos é capaz de investir com uma retroescavadeira sobre policiais amotinados, mascarados e armados, massa de manobra do grupo político do presidente da República.

Chegar a esse ponto, mistura de chanchada com a mais pura violência que vitimou o senador Cid Gomes, o tresloucado motorista da retroescavadeira, como se vivêssemos permanentemente em um filme de Tarantino, todo mundo matando todo mundo, é ir ao fundo do poço e permanecer lá, sem chance de recuperação.

Não há possibilidade de uma retomada econômica com um clima de instabilidade política propiciado pelo próprio presidente da República. Ainda mais quando as reformas necessárias dependem do Congresso, que o presidente ajuda a demonizar junto a seus seguidores. Dando pretexto a uma eventual tentativa de golpe, como se o fracasso de seu governo em áreas fundamentais como a educação, o meio ambiente, relações externas, fosse devido às dificuldades que o Congresso lhe impõe, e não à incompetência de titulares escolhidos por ele, estimulados a radicalizar ideologicamente antes de construir perspectivas para o futuro.

Os êxitos potenciais da área econômica, aí incluído o setor de infraestrutura e privatizações, são obstaculizados por problemas criados dentro do núcleo duro do governo, a partir do próprio presidente da República, que tem que compatibilizar sua índole autoritária e populista com o espírito liberalizante do projeto econômico, que nunca foi o seu.

É escandalosamente preocupante que o próprio presidente da República dê continuidade a comentário irresponsável do general Augusto Heleno, que passou de bombeiro a incendiário à medida que os militares ponderados, como parecia ser o seu caso, começaram a ser malvistos nos arredores do gabinete presidencial.

É o radicalismo de Bolsonaro que dá o tom atualmente no Palácio do Planalto, e vozes como as do general Santos Cruz, demitido por intrigas palacianas, foram superadas pelo radicalismo sabujo dos que poderiam trabalhar pela democracia, mas se acomodam no poder a qualquer custo.

Solidariedade com quem?


Sobre os liberais perseguidos pelo bolsonarismo

Jones Manoel

Se eu visse um cara como José Dirceu sendo atacado por essas caras, eu defendia ele e trocava até tapa. Nos pelegos, a extrema direita não mexe. Porque quem ataca pelego ataca comunista também - pra eles é tudo a mesma coisa.

Sobre os liberais: quero que se fodam e morram abraços com o monstro de extrema direita que criaram.

Zero solidariedade a esse povo.

É preciso chamar os atos criminosos pelo nome justo


Se não nomear as atitudes do presidente, a imprensa vai desinformar o público

Eugênio Bucci*
Convocação indevida de ato público escancarou o prenúncio de uma crise institucional
Está no Gênesis: a incumbência de dar nome aos seres vivos foi transmitida ao homem por ninguém menos que Deus. De lá para cá, a briga não parou mais. Definir como se deve chamar cada uma das coisas deste mundo virou uma disputa interminável. Cientistas concorrem para saber qual deles vai designar a nova estrela ou o novo vírus. Locutores esportivos competem para dar o melhor apelido ao jogador de futebol que brilha na temporada. Marqueteiros duelam nas licitações para ganhar o direito de “criar” as marcas publicitárias dos programas de governo (no nosso tempo, toda política pública tem nome de sabonete, ou quase isso).

No meio dos turbilhões vernaculares para batizar isso e aquilo, o repórter é apenas um a mais – mas esse um a mais não pode faltar. Não se espera dele que saia por aí inventando os substantivos da língua corrente, mas o repórter – como, de resto, toda a imprensa – tem o dever de chamar cada coisa e cada personagem pelo nome devido. Se não fizer isso, vai desinformar a sociedade. Se quiser mesmo noticiar os acontecimentos com clareza e com objetividade, o jornalismo precisa saber nomeá-los.

Um exemplo? Está na mão. O que aconteceria se, em lugar da palavra “motim”, os jornais, as rádios, as emissoras de TV e os sites noticiosos na internet resolvessem usar a palavra “greve” para se referir ao assalto contra a ordem pública que vem sendo perpetrado por policiais cearenses? Aquilo não é uma “greve”. É um motim. Se os jornais começassem a chamar aquele levante armado de “greve” – palavra que aparece na legislação democrática como um direito do trabalhador – desorientariam os leitores, ouvintes e telespectadores. Estes não entenderiam nada de nada e poderiam até achar que os criminosos amotinados, com o rosto coberto por balaclavas, atirando em pessoas desarmadas, não passam de assalariados explorados exercendo seu direito de não trabalhar. Em resumo, se chamasse de “greve” o motim do Ceará, a imprensa prestaria um desserviço à sociedade e faria propaganda, ainda que involuntária, a favor dos amotinados.

Simples, não? Na verdade, não é tão simples assim. Quando se trata de cobrir os atos do atual presidente da República, a tarefa de dar nome às coisas se complica um pouco. Nesse ponto, temos tido dificuldades. Há dois dias o chefe de governo distribuiu pessoalmente, por meio de seu telefone celular, convocações para um ato público que pretende ameaçar os representantes dos Poderes Legislativo e Judiciário.

A intimidação virulenta já começou. Está na rua. Num vídeo divulgado pelos organizadores do ato, uma música dos Titãs, O Pulso, serve de plataforma para a agressão das autoridades. Aproveitando-se da letra, que arrola um inventário copioso de doenças, o vídeo exibe uma sucessão de fotografias de deputados, senadores, governadores e ministros do Supremo, associando cada rosto a uma enfermidade. Em termos rudimentares e imorais, a peça “xinga” as autoridades de “doentes”. Em seguida, enuncia a mensagem de que para resolver os problemas do Brasil é preciso extirpar do País todos os focos de “moléstias”. Não há dúvida: o ato convocado pelo presidente da República é, sob todos os ângulos, uma investida odiosa e golpista contra as instituições democráticas e as pessoas que legitimamente as representam. A intenção dos organizadores é desacreditar o Estado e pavimentar o caminho espúrio para que o presidente avance na direção de uma ditadura.

O uso da canção dos Titãs foi indevido. Dois dos três autores da música, Arnaldo Antunes e Tony Bellotto, repudiaram publicamente o uso que a extrema direita fez dela (o terceiro autor, Marcelo Fromer, está morto). O uso de símbolos militares também é indevido. Há oficiais protestando contra a pregação de que as Forças Armadas devem tomar o poder dos políticos. Tudo aí é indevido.

A convocação – indevida – desse ato público escancarou o prenúncio de uma crise institucional. É claro que todo mundo tem o direito de ir às ruas para gritar o que quiser. As pessoas têm o direito até de pedir por uma ditadura militar. Birutice faz parte. Agora, quanto ao presidente da República, que jurou solenemente respeitar, manter e cumprir a Constituição, esse aí não tem o direito de se engajar a plenos pulmões no fanatismo golpista. A lei obriga-o a defender a ordem constitucional. Se não observar a obrigação que lhe cabe, o mandatário ficará exposto a um processo que lhe pode custar o cargo.

O curioso é que o presidente, pronunciando seus impropérios inconstitucionais, vai se fingindo de “normal”. Força os limites, dia após dia. Quebra o decoro, faz apologia de torturadores, chama o povo para atacar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e age como um chefe de motim. Ele se situa fora do campo democrático, atenta contra os símbolos mais caros da democracia – isso é um fato – e setores da imprensa ainda parecem acreditar que tudo está “normal”.

As redações precisam refletir. Dar o nome justo a cada coisa – e a cada agente público – vai se tornando urgente e indispensável.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

Dólar a R$ 7,57



Celio Turino

Dólar a R$ 4,45 e subindo.

O país só não entra em bancarrota porque o governo herdou mais de R$ 1,6 trilhão (exatamente) em reservas cambiais economizadas durante governos Lula e Dilma (até sob governo Temer houve algum acréscimo). Mas sob Guedes/Bolsonaro, em pouco mais de seis meses, queimaram quase R$ 250 bi.
Logo, logo...bancarrota.
E dólar a R$ 7,57!

Não é valor tirado da cartola, mas simples reajuste pela inflação do valor nominal do dólar (R$ 3,95) ao final do governo FHC. Esses dados deixam muito claro qual governo quebrou e qual governo está quebrando o Brasil.

E tem mais! Apenas ontem, 26/2/2020, as empresas com ações negociadas na Bovespa perderam R$ 260 bilhões (exatamente) em valor de mercado. Essa estratosférica queda no mercado de ações não tem nenhuma relação com o coronavírus (se tanto, 20% dessa perda) e sim com a infinita capacidade de Bolsonaro e asseclas gerarem crise institucional no país, além da absoluta incompetência aliada à megacorrupçāo.

(a quem não consegue perceber a lógica da maracutaia, segue pequena explicação de como o atual governo promove o desvio de dinheiro público: a cada declaração desastrada, seja do Guedes ou Bolsonaro, o país perde bilhões de dólares em reservas cambiais, dinheiro que sai do patrimônio público e passa para bolsos privados, sobretudo daqueles comparsas que detém informações privilegiadas. Sem dúvida, em matéria de roubo do patrimônio público, essa gentalha é profissional!)

Pandemia



Direita elegeu ditador ensandecido, mas quer que ele governe como presidente constitucional


Bolsonaro aposta em estratégia de intimidação

Bernardo Mello Franco

Jair Bolsonaro foi eleito presidente, mas quer governar como ditador. Não aceita as regras da democracia, que estabelecem limites ao exercício do poder.

Ao completar um ano no Planalto, o capitão elevou o tom dos ataques à imprensa. Agora busca insuflar seus seguidores contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

Na semana passada, o general Augusto Heleno disse que era preciso “convocar o povo às ruas”. Foi a senha para os grupos de extrema direita organizarem novas marchas a favor do governo.

Bolsonaro gostou da ideia. Em pleno feriado, compartilhou dois vídeos que incitam as massas a mostrar “a força da família brasileira” e protestar contra os “inimigos do Brasil”.

Além de divulgar os filmetes que o definem como um líder “cristão”, “patriota” e “incorruptível”, o presidente sugeriu um mote para o ato chapa-branca. “O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre”, escreveu, como se ele não fosse um político profissional que já pendurou três filhos no mesmo galho.

Não é a primeira vez que Bolsonaro usa o peso do cargo para atacar abertamente as instituições. Em maio de 2019, ele endossou um texto que o apresentava como refém de “conchavos”. Cinco meses depois, divulgou um vídeo que retratava o Supremo, os partidos políticos e os meios de comunicação como hienas ávidas para devorá-lo.

No carnaval de 2020, o capitão voltou a vestir a fantasia de outsider perseguido pelo sistema. A diferença é que agora ele parece mais animado a apostar suas fichas numa escalada autoritária.

Viciado em confrontos, Bolsonaro implodiu pontes com o Congresso, rompeu com o próprio partido e comprou briga com a maioria dos governadores. Agora tenta acuar setores que começam a articular uma frente para conter seus desvarios.

A militarização do Planalto e o uso de milícias virtuais para linchar jornalistas obedecem a essa estratégia de intimidação. A convocação de manifestações de teor antidemocrático faz parte do mesmo jogo.

Onde estão os empresários deste país?

Cristóvão Feil

Foram tímidas e acovardadas as respostas que ouvimos até o momento sobre as sandices golpistas do Bonsolino. O balofo presidente da Câmara, pronunciou-se quase de forma protocolar, cheio de dedos e temores. O professor Cardoso com frases óbvias e surradas. E ficamos por aí. [Refiro-me ao campo pseudo-democrata que apoiou a conspiração Bonsolino.]

Mas vamos adiante: e a chamada classe empresarial? Onde estão os líderes de associações de empreendedores e assemelhados?

Lembro que quando foi para derrubar a Dilma, essa miuçalha sonegadora, andava excitadíssima fazendo manifestos tão semi-alfabetizados quanto estúpidos. Aqui no RS, a CIC (Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul) foi uma das mais salientes no impulso ao golpe de Estado de 2016. Lembro bem.

Pois, onde estão estes guardiães da moralidade, estes zeladores-flanelinhas da democracia que convém, estas vestais do fogo sagrado da ordem pública, estes sacerdotes jurados da Nação?

As trapalhadas delinquenciais de um presidente podem criar um rechaço internacional profundo ao País. Os investidores fogem de países com tumultos institucionais escancarados e uma absoluta insegurança jurídica para negócios e contratos.

A economia do Brasil está próxima à bancarrota, e o presidente da República agrava o cenário abismal com manifestações que espantam a todos, sejam os nacionais, sejam os estrangeiros.

Por isso, insisto: onde estão os empresários do Brasil? Estão embaixo da cama ou foram passear na Disney. Estão borrados ou apenas fazem a egípcia?

Longe demais

´


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O MBL do B está no Carnaval

O Movimento Brasil Livre do Bolsonaro precede e transcende o presidente
Conrado Hübner Mendes

O Movimento Brasil Livre do Bolsonaro (MBL do B) aproveita a ocasião carnavalesca para recomendar uma dieta de reeducação política. Por meio de um detox cívico profundo, quer resguardar aquela modesta fração de liberdades civis construída ao longo de tantos Carnavais.

O MBL do B percebe a violência que começa com o verbo e termina no assédio, no estupro e no espancamento; no desmatamento e na letalidade policial; no empobrecimento material e espiritual do país. Não confunde bolsonarismo com mera grosseria e impostura, esse pecado decisivo da preguiça intelectual, tão afoita em tornar equivalente o que é tão diferente. Nem confunde liturgia e decoro com mera etiqueta política.

O MBL do B precede e transcende Bolsonaro. Tem a mesma raiz de movimentos emancipatórios do passado, como o que se opôs à ditadura e ajudou, nos limites da conjuntura, a reinventar a democracia e a elaborar a Constituição de 1988. É um movimento de negros, mulheres, índios e LGBTs. De professores, artistas, jornalistas e cientistas. E de quem mais quiser levantar a bandeira da liberdade e da dignidade sem truques de linguagem.

O MBL do B não é um movimento de ódio ao bolsonarismo, mas de rejeição contundente daquilo que quer nos retirar. Não é bolsonarismo de sinal trocado, que reendereça a raiva e afetos primários para o outro lado.

Bolsonaro é um arquétipo da brutalidade brasileira. Uma brutalidade que vai do seu senso de humor a sua crença religiosa, da sua conduta paterna ao seu estilo político. Cruza a linha vermelha em praticamente todos os domínios da vida urbana. Essa rara confluência de tantas facetas do mau caráter nacional serve de alerta didático para o que resta de "Jair em nós". Neutralizar o Jair em nós é o primeiro desafio do MBL do B.

Bolsonaro organizou sua carreira política em torno da agressão a pessoas e instituições; da defesa da tortura e da morte do outro; das relações ganha-ganha com milicianos (às vezes um ganha-perde, mas quem perde são os milicianos foragidos, presos e executados).

Congresso e STF foram as casas de tolerância que lhe confortaram e deram carta branca. Atiçaram a delinquência política. As declarações do deputado podiam ser "rudes", mas não caracterizavam "incitação à violência física ou psicológica" contra ninguém, nas palavras de ministro do STF.

O STF nunca consultou a ciência para entender "violência física ou psicológica". Preferiu a autossuficiência da intuição jurídica e abraçou um conceito grosseiro de imunidade parlamentar.

Protegido pela leniência parlamentar e judicial, Bolsonaro sobreviveu e cresceu. A expectativa de que, uma vez no cargo mais poderoso da República, ele se tornasse outro, era tão verossímil quanto o esforço de Paulo Guedes em convencer o mundo e o mercado de que o chefe "tem maus modos, mas grandes princípios".

Libertar-se do bolsonarismo é mais do que um chamado à civilidade e à higiene bucal. É mais do que um apelo genérico ao antipopulismo ou um pedido ingênuo de reconciliação e consenso, como se a política não envolvesse o conflito agonístico, como se não fosse legítima a denúncia de privilégios e de violações de direitos, como se não fosse necessário apontar o dedo para os que boicotam o projeto constitucional.

A liberdade está ameaçada não por qualquer populismo, mas pelo populismo autoritário, que emula práticas do fascismo histórico e define povo como um clube em que só alguns podem ser sócios, excluídos os inimigos anti-Brasil. Tem alergia ao pluralismo e à diferença. Coloca até as instituições na categoria de inimigos do povo.

Derrotar Bolsonaro está além da demonstração dos seus crimes de responsabilidade para fundamentar pedido de impeachment; ou da provocação do TSE sobre o financiamento não declarado da campanha de desinformação; ou das eleições de 2022.

O MBL do B não é só sobre Bolsonaro.